O Chega é um partido fascista? Não me parece que seja correto descrever o partido de André Ventura como fascista, embora alguns dos seus membros e apoiantes possam merecer tal epíteto. É antes um movimento umbrella de cariz populista e nativista, que junta descontentes de várias proveniências, incluindo desiludidos do PSD e do CDS, libertários anti-Estado (ou anti-Fisco), velhos salazaristas e saudosistas do Império, lobbies evangélicos e grupos nacionalistas. Quiçá haverá até um ou dois miguelistas nas suas fileiras, entre outras pessoas que convivem mal com a modernidade e com a sociedade aberta das últimas décadas.

O facto de existir esta amálgama explica algumas contradições no discurso do partido. Por exemplo, por um lado o Chega defende  a liberalização da economia e a continuação da pertença à União Europeia, mas ao mesmo tempo procura estabelecer laços com figuras como Marine Le Pen, que defende um estado forte e quer destruir o projeto europeu como o conhecemos.

Há outras contradições, é certo, como no tema do racismo. Ventura jura a pés juntos que não é racista, mas ao mesmo tempo profere tiradas xenófobas, tece generalizações sobre comunidades inteiras e propõe até medidas de confinamento forçado para algumas.

O mais curioso é que o discurso do Chega pretende ser “antissistema”, mas serve sobretudo para defender os interesses dos poderes económicos que compõem esse mesmo ‘sistema’, procurando virar pobres contra pobres. Por exemplo, enquanto andamos distraídos com a alegada “subsidiodependência” dos ciganos, não nos lembramos de alguns negócios ruinosos protagonizados por privados, que estão a ser pagos pelos contribuintes portugueses. O prejuízo causado por tais negociatas é incomensuravelmente superior ao que decorre do eventual pagamento indevido de prestações sociais a pessoas de etnia cigana, mas essas e outras alegadas falhas do estado social adquirem uma relevância  superior no discurso do Chega, juntamente com alusões vagas à “corrupção”.

Dito isto, embora defenda a alteração da Constituição e a criação da “IV República”, o Chega não constitui uma ameaça séria à ordem vigente, pela simples razão de que os fatores que explicam a sua ascensão são os mesmos que limitam o seu crescimento acima de certo patamar. Nomeadamente o discurso populista e politicamente incorreto, o estilo pouco ortodoxo do seu líder, o flirt com a extrema-direita e as posições controversas. Com as devidas diferenças, o mesmo acontece com o Bloco de Esquerda, no extremo ideológico oposto.

Porém, tal como o Bloco, o Chega terá agora oportunidade de participar no jogo do poder, no seu caso como possível aliado do PSD, o que vai contribuir para a polarização ideológica e para a criação de dois grandes blocos na política portuguesa. À semelhança do que tem acontecido em países como os EUA, esta polarização terá efeitos negativos na qualidade da nossa democracia, impedindo consensos e colocando os dois grandes partidos – PS e PSD – na dependência de aliados radicais.

É certo que este movimento no sentido da polarização teve início com António Costa, em 2015, quando levou o Bloco e o PCP para o arco da governação. Mas ao fazer um acordo com o Chega nos Açores, Rui Rio perdeu uma oportunidade de ouro para demonstrar que os princípios personalistas que estão no ADN do PSD são mais importantes do que as considerações táticas do momento. O que é pena, porque a política feita de acordo com princípios costuma ser o melhor antídoto contra o populismo.