Depois da crise sanitária devido à Covid-19, da avassaladora crise económica que vamos atravessar e da crise social, fomos informados que temos uma crise política. De nada suspeitávamos até a imprensa divulgar que há problemas no horizonte. Mas será mesmo assim ou estaremos perante mais uma narrativa fabricada a relembrar os piores tempos de governação de José Sócrates?
A negociação do Orçamento do Estado (OE) é sempre um momento de protagonismo e exaltação, nada disto constitui novidade. O que difere na aprovação do próximo OE é o facto de os vários partidos preferirem negociar o seu peso político em vez de trabalharem em prol do país num dos anos mais difíceis que enfrentamos. E que seja o PS, acolitado por parte da imprensa sob a sua alçada, a criar e a divulgar uma crise política fictícia para vergar os parceiros de esquerda e a oposição.
Sabendo nós que é vital a estabilidade no país perante a necessária concretização do plano de recuperação a 10 anos e a aplicação dos milhões esperados de Bruxelas, é com estupefação que assistimos a guerras menores e que seja sequer possível alguns partidos colocarem a hipótese de não aprovarem o OE. Se não conseguem ultrapassar uma “crise” destas, a pergunta que se coloca é serão eles os protagonistas certos para recuperar o país?
A ironia consiste nesta evidência – se a encenação de crise política se transformar numa crise real, não sendo difícil de ocorrer devido aos desafios já mencionados, à instabilidade na banca e à morosidade na aplicação dos fundos estruturais quando estes chegarem, e formos confrontados com eleições antecipadas, o mais provável seria ficar tudo na mesma.
O estado atual da direita não permite atuar enquanto oposição forte. Um PSD enfraquecido pelo líder e diversas decisões erráticas, entre as quais a sua tendência de correr a apoiar o Governo em vez de ser a voz da oposição; o CDS em mínimos históricos e com muitos militantes de peso a bater a porta ao partido; o Chega com muitas polémicas e na imprensa diariamente, mas com uma força irrelevante e apenas meia dúzia de propostas fraturantes e populistas apresentadas ao país; o Aliança que, depois de perder a corrida, não elegendo sequer o líder nas legislativas, desapareceu do radar no último ano.
Tudo somado não é mais do que uma amálgama de vozes fracas e o panorama só poderá mudar se os líderes forem substituídos. O regresso de Passos Coelho é há muito debatido e esperado e o único capaz de federar a direita, ou que surja uma nova força política de peso ao centro capaz de inverter uma situação frágil e que não descola nas intenções de voto.
Mesmo com a popularidade a baixar, segundo as últimas sondagens e o escândalo de ter apoiado um dirigente desportivo, se tivéssemos eleições legislativas agora, António Costa e o PS seriam os vencedores. Nem sequer pode atirar a toalha ao tapete e retirar-se deixando à direita uma crise monumental para gerir como José Sócrates fez. Talvez seja esta a verdadeira crise política que incomoda o primeiro-ministro.