Poderá o dólar norte-americano cair do trono que ocupa no xadrez mundial, desde a Segunda Grande Guerra, como moeda de referência, ou seja, perder pujança no comércio internacional, nas reservas dos bancos centrais e nas transações financeiras mundiais?!
O tema anda a fazer correr muita tinta, sobretudo, desde que Donald Trump chegou à Casa Branca pela segunda vez e começou a disparar políticas erráticas e atrabiliárias, desde as tarifas aduaneiras disparatadas, a deportação de imigrantes e a proibição de novos fluxos migratórios, os cortes de financiamento à Ciência e à Saúde (OMS)… que estão a gerar uma contestação interna explosiva. É Donald Trump, em modo de corrida, ao isolacionismo!
Mas, alguém imaginaria que a Presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde, viesse sugerir publicamente, numa intervenção, proferida em Berlim (22/05), “o papel da Europa num mundo fragmentado”, que o EURO poderá substituir o DOLAR, como pilar principal de reserva mundial!
Sem dúvida, uma declaração algo inesperada, impensável de se ouvir alguns meses antes, só possível agora, porque a confiança no dólar americano entrou em crise por tempo incerto, devido a um Presidente em estado de frequente contrachoque com o tradicional imobilismo da Europa e com o mundo em geral. Só a China respondendo pronta e firme, com o condicionamento das exportações de terras raras, de que os EUA precisam, “como de pão para a boca”, fez vergar Trump, levando-o a solicitar negociações que tiveram lugar, em Londres, nos dias 9 e 10 deste mês e, com resultados, pelo menos para já.
O pensamento de Christine Lagarde, em certa medida, está em linha com o agir dos BRICS que, desde a sua constituição, sempre se bateram por uma reconfiguração das relações do poder monetário, a nível mundial. Para os BRICS, a perda de poder do dólar no Mundo é determinante, é, sem dúvida, instrumental na prossecução de um maior equilíbrio futuro entre as economias, pois conduzirá a uma melhor e mais adequada gestão do Poder nas Instituições com maior influência na governança do Mundo, a começar pela ONU (independente da qualidade do seu real poder).
Pugnar pelo Multilateralismo é para os BRICS assunto decisivo.
O discurso de Christine Lagarde, com um certo quê de novidade, dificilmente passará de um sonho, pois teria de mexer em muitos domínios complexos. De facto, encetar e prosseguir este caminho, (de revolta contra o dólar), defrontar-se-ia com múltiplas reservas ao nível da União Europeia e também no exterior, tanto mais num ambiente de tendência global da política para a direita radical que atravessa o Planeta.
Não creio que seja uma ideia com realização prática por inúmeras razões, a primeira das quais, como muitos analistas o dizem, o Euro estagnou há décadas. A formatação das suas Instituições Financeiras ficou inacabada e os governos dos principais países-membros não têm mostrado entusiasmo em avançar.
Arrancar com o Euro para uma posição mais forte no panorama mundial implicaria uma série de medidas sólidas em várias frentes, medidas que dessem folego e confiança no Euro, embora a moeda única já tenha um peso em torno dos 20% das reservas internacionais contra 58% do dólar. É a segunda moeda mundial dispondo, assim, de uma boa base de descolagem.
Com o exterior várias medidas se impunham, designadamente acordos com outros países ou blocos económicos, onde não poderiam deixar de estar a China, os BRICS, o Reino Unido, o Canadá, …
Mas dentro da UE, as transformações a implementar não teriam menor grau de dificuldade como a prática de financiamentos conjuntos (mutualização), a que países como a Alemanha são claramente avessos e a criação do mercado europeu de capitais, hoje, ainda muito fragmentado.
As palavras do discurso-as mudanças em curso criam a abertura “para um momento global do euro” -são aceitáveis, mas não funcionam sem medidas de cimentação da confiança no Euro. Tudo isto levaria tempo e a ultrapassagem de muitos escolhos.
Há analistas que pensam e escrevem que a equivocada guerra comercial do presidente Trump contra o resto do Mundo pode marcar o princípio do fim, tanto do seu domínio político quanto do seu movimento MAGA. Mas para isso, referem, será necessário que a Alemanha e a Europa coordenassem uma poderosa resposta internacional (ALLnews, Finanças suíças, 2/05/2025). Esta mesma revista assinala que o maior erro da Comissão Europeia foi sinalizar a sua disposição de ceder a Trump. Apaziguar Trump é o mesmo que acelerar o colapso do sistema multilateral do comércio mundial. A resposta da União Europeia é decisiva, neste contexto, para determinar quem prevalece: se Trump, se o Multilateralismo da China (que, neste caso, é acompanhada por muitos). Os líderes europeus estão perante uma escolha clara: ou defendem o multilateralismo ou ficam do lado de Trump. Não há outra opção, alerta a revista, ligada às Finanças Suíças.
A China está a avançar oficialmente com um plano para promover o seu próprio sistema internacional de pagamentos cujo centro nevrálgico é em Xangai. É aí que está sediada a rede CIPS, alternativa directa ao sistema do Ocidente SWIFT. Com este sistema, Pequim visa fortalecer o uso do Yuan nas trocas transfronteiriças e apoiar as suas empresas no exterior. É evidente que se trata de um sistema, por enquanto, de dimensão reduzida, com um longo caminho a percorrer.
Com este sistema procura a China fundamentalmente ir minando a desintermediação do dólar, primeiro no âmbito dos BRICS e depois nos países do Sul global.
É evidente que se se criassem entendimentos entre a UE e a China em oposição a TRUMP, como preconiza a revista da Banca Suíça, seria fácil retirar muita da interferência que os EUA detêm e, montar, de facto, o Multilateralismo com vários polos económicos e a concorrer entre si e, por outro lado, reverter certas instituições como a Organização Mundial do Comércio que se encontra em estado comatoso por interesse dos EUA, situação até anterior a Trump, que também não tem interesse em a reanimar. Como está, permite-lhe manobrar à margem das regras da OMC.
A concluir, não creio que esta linha potencial de cooperação tenha sucesso. Penso mesmo que as palavras de Christine Lagarde não passaram de um impulso momentâneo. E é pena.
Apesar das divergências que, nesta e em muitas outras matérias, há entre os BRICS, creio que mais facilmente serão eles os pais da desdolarização. Há troca de ideias e tomadas de decisão por entendimento e não por imposição. Com os BRICS e a China tenho confiança que o Dólar venha a perder “o privilégio especial” que, ainda, detém, como referiu Giscard d’Estaing, em 1962 e, assim, deixe de ser instrumento de domínio do Mundo.