Esta semana, e num momento inédito, duas mulheres foram nomeadas para dirigir a Comissão Europeia (Ursula von der Leyen) e o BCE (Christine Lagarde). Se sobre Ursula von der Leyen é justo realçar que enquanto ministra da CDU/CSU promoveu políticas de apoio à parentalidade e à inserção feminina nos conselhos de administração das grandes empresas, para além de ser uma férrea apoiante de Angela Merkel, julgo que aos portugueses deve interessar mais aquilo que são os desafios que esperam Christine Lagarde na condução do BCE.
Muito especialmente, o desafio que é a política de taxas de juro zero (ou negativas) e seus impactos na política monetária do BCE, bem como no modelo de sociedade portuguesa.
Não constava dos manuais de Economia a possibilidade de existir um período prolongado de taxas de juro zero. Há 20 anos começou no Japão, no que então se pensava ser uma excepção. Mas a crise do subprime trouxe ao mundo ocidental essa mesma situação, confirmando-se agora não ser uma idiossincrasia japonesa. Recompor os balanços dos bancos e acudir ao excesso de dívida pública (e privada), estiveram no cerne desta decisão. Que perdura desde 2008 na Europa.
E quais são as consequências nefastas deste tipo de taxas de juro? Primeiro, a mais estudada na literatura económica: a redução da capacidade de intervenção e da eficácia da política monetária do BCE, com impactos tremendos, se e quando ocorrer um choque assimétrico. Por isso temas como um orçamento europeu de valor significativo (que permitisse financiar um subsídio de desemprego comum à escala da União, por exemplo) ou o finalizar da União Bancária (com um sistema comum de garantia de depósitos) são tão críticos para os portugueses.
E não se iludam a pensar que algures em 2020 as taxas começam a subir. As curvas de rendimento e as taxas de juro nas obrigações alemãs a 10 e 15 anos significam que os investidores esperam taxas negativas ou nulas até 2030!
Mas infelizmente pouco se tem falado dos outros efeitos, sentidos ao nível dos agentes económicos e das famílias. Primeiro, reduz os incentivos a poupar (veja-se o caso português, com níveis historicamente baixos de poupança), verdadeiro barómetro da capacidade presente e futura de investimento.
Segundo, comprimem-se as margens de rendibilidade dos bancos, com isso fomentando uma concentração transfronteira, que será nefasta para o financiamento das empresas e dos empresários portugueses. E com os reflexos inerentes sobre a criação de riqueza, emprego qualificado e impostos para o nosso país. Em suma, para a independência nacional. Terceiro, parar agravar o problema, o BCE terá que continuar a comprar activos sob a forma de títulos de dívida pública e privada, com isso reduzindo a rendibilidade das obrigações e pressionando os resultados, outra vez, dos bancos comerciais.
Finalmente, taxas de juros nulas são um poderoso incentivo para o apetite acrescido por activos de risco (imobiliário) ou de dívida privada sem rating. E por isso não espanta ver aforradores portugueses, os mesmos que nunca investiram no mercado de capitais, num estado de euforia, a subscrever dívida de clubes de futebol, estações televisivas ou de companhias aéreas e a adquirirem imóveis (para ‘reabilitação’), num frenesim especulativo que sabemos, ciclo após ciclo, como acaba.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.