No final de Julho, em tempo de férias, a Escola foi notícia. Ou melhor, o braço-de-ferro entre um pai e a escola de Famalicão/Ministério da Educação, tendo como pano de fundo a educação para a Cidadania.
O Sr. de Famalicão opôs-se a que os seus filhos frequentassem a disciplina de Cidadania e Desenvolvimento, onde seriam expostos a determinados temas com previsíveis orientações para certos valores.
Não tenho, porém, qualquer notícia acerca da reacção daquele encarregado de educação ao Perfil dos Alunos à Saída da Escolaridade Obrigatória. Seria por desconhecimento do documento? Talvez confi(n)asse “a educação para os valores” à nova disciplina que passava a integrar o currículo formal. Ou pressentiu que dizia respeito a todas e não podia impedir os filhos de frequentar a escola?
Porventura, consultou as Aprendizagens Essenciais para o Ensino Básico e constatou que tudo no essencial se mantinha igual: o mesmo número de horas, os mesmos manuais, e como lhes chamaria um leigo os mesmos programas ou metas ou objectivos, só que agora designados por “conhecimentos, capacidades e atitudes” e pensou (eventualmente) “está tudo na mesma”… e ficou descansado.
Nos nossos dias, parece gerar algum consenso que a educação se perfilhe como um compromisso entre os valores pessoais e os colectivos, que procure assegurar um ponto de equilíbrio entre o desenvolvimento da personalidade do indivíduo e o bem-estar e os interesses sociais, não assumindo nessa interligação uma neutralidade axiológica.
Mesmo em tempos mais acomodados e menos informados, e ainda que de forma dissimulada, a educação sempre foi política.
Há muito que à Escola e ao professor a sociedade foi, progressivamente, atribuindo múltiplas missões que vão além da instrução; espera-se que combata a droga, a violência e o racismo, que promova hábitos alimentares e comportamentos saudáveis, que eduque para a preservação do ambiente e para a prevenção rodoviária.
Atribuir tempo lectivo onde estes e outros temas possam ser discutidos de forma séria, sem falsos preconceitos ou impostos limites, parece-me desejável e coerente com esta nova visão de Escola, à semelhança do que já vinha sendo proposto nas disciplinas de Desenvolvimento Pessoal e Social e na de Formação Cívica, antepassadas da Cidadania e Desenvolvimento.
O que já não me parece sério é que a certificação do aproveitamento desses “ensinamentos” seja expressa por uma avaliação quantitativa, à semelhança do que acontece para as outras aprendizagens no 2.º e no 3.º ciclo, e por um registo da participação nos projectos no certificado no ensino secundário.
No documento da Estratégia Nacional da Educação para a Cidadania, vêm as orientações para o processo de ensino, de aprendizagem e da avaliação que “deve integrar e reflectir as competências de natureza cognitiva, pessoal, social e emocional, desenvolvidas e demonstradas por cada aluno e aluna através de evidências”. E recomenda-se o recurso a metodologias e a instrumentos de avaliação diversificados. E no ensino transbordam as fichas de recuperação, os registos de observação, os relatórios e os planos. A nossa Escola resguarda-se e dispersa-se com papelada.
À semelhança da sábia coruja que aconselhou o rato a transformar-se em cão para não ser incomodado pelo gato (excelente ideia, por sinal), o problema recai sempre na concretização.
A meu ver, o tempo lectivo da Cidadania e Desenvolvimento tem de ser fortalecido num esforço colectivo ao longo do tempo, face às situações que vão surgindo, depurado de notas ou classificações.
Enquanto as “atitudes”, “o bom comportamento na sala de aula” forem ponderados nos critérios de avaliação e vistos como um contributo para a nota em cada disciplina, em vez dos alunos interiorizarem efectivamente o respeito pelos outros, sem contrapartidas que não a satisfação de agir correctamente, não me parece que estejamos a educar verdadeiramente.
Talvez esta moral de obediência e punição explique por que razão desde a abertura da época balnear, a 6 de Junho, o sinal vermelho tenha sido accionado nas praias portuguesas, cerca de 2.500 vezes, de acordo com a Agência Portuguesa do Ambiente, mas as pessoas não o respeitem e se assista à invasão do areal sem cumprir as normas.
A praia tem a lotação esgotada? Tem. Mas posso entrar à mesma? Posso. O que é que me acontece? Nada.
Sem ser proibido, sem haver multas nem recompensas, a cidadania foi a banhos!
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.