1. Do meu novo livro “Quarenta árvores em discurso directo” estabeleci um top 5 das árvores que elegeria como as preferidas. Não é fácil para quem, como eu, se enamorou das árvores pelo facto de simplesmente o serem. Aliás, já foi um problema ter escolhido quarenta para o livro, deixando de fora tantas outras que ficarão (talvez) para uma próxima oportunidade.
Antes de indicar as escolhidas, faço uma breve incursão por uma pequena história em que se juntam a Scientia amabilis da botânica (assim lhe chamava Lineu) e considerações de natureza económica e financeira.
No século XVIII, Lineu chamou Dillenia indica a uma árvore originária da Índia, que um dia foi trazida para o Brasil, ainda antes da independência. Foi então que o imperador Dom Pedro I terá escondido moedas nas suas carnosas e magnânimas flores, numa versão botânica de injecção monetária precursora dos bancos centrais. Para esse divertimento real, muito contribuiu a forma como as flores convergem para a formação do fruto, conservando, na cápsula frutificada, pequenos objectos que lá possam ser colocados e que, depois, acabam por se soltar com as muitas sementes, cuidadosamente envoltas em polpa gelatinosa.
Diz a história – ou a lenda – que, a partir daí, se passou a chamar árvore-das-patacas e que o imperador mandou para Portugal uma caixa de moedas com a inscrição “Nesta terra o dinheiro nasce em árvores”. A árvore arrostou com a fama monetária e fez sonhar muita gente ávida e tentada pelo conto-do-vigário (perdão, do imperador). Com a inflação crescente, não havia árvores para tanta procura da pataca, desvalorizada em sucessivas recidivas económicas.
2. Pondo agora de lado a árvore-das-patacas, que por cá não medra, as cinco árvores que elegi como as mais preferidas entre todas as que preferi no livro são a ginkgo, o jacarandá, a oliveira, o plátano e a magnólia.
E com elas, pus-me a pensar como as enquadraria para exprimir algumas características de cinco actividades ou profissões, a saber: economista, médico, gestor, arquitecto e professor.
Quanto ao economista, inclinar-me-ia para o associar à ginkgo. Uma das mais impressivas e belas características desta árvore oriental é a forma bilobada das suas folhas, que levou Goethe a afirmar que “não se sabe se é uma folha que se divide em duas, ou duas folhas que se unem numa”. Desta maneira tão eloquente, o poeta veio expressar esta aparente antinomia de unidade-dualidade, no simbolismo que transporta, desde outrora, no Oriente, através da filosofia que representa o princípio do equilíbrio dinâmico e dual das forças complementares: Yang e Yin.
De um lado, o Yang, ou seja, o princípio activo, do ganho, da luz, do calor, do dia. Opostamente, o Yin, o princípio passivo, a perda, a sombra, o frio, a noite. Por outras palavras, um jogo de opostos entre sim e não, bem e mal, sempre e nunca, verdade e ilusão, aceitação e insubmissão, escolha e renúncia, absoluto e relativo.
No plano mais terreno e menos espiritual, o economista confronta-se tantas vezes com opostos, dúvidas, restrições e contrafactuais nas suas análises e decisões. Ao contrário dos Prémios Nobel da Química, Física e até Medicina, o Prémio Nobel da Economia pode ser atribuído consecutivamente a economistas reputados, mas com ideias sobre o mesmo tema bastante divergentes, senão mesmo opostas ou contraditórias. A sátira atribuída a Winston Churchill de que “entre dois economistas, há pelo menos três opiniões, sendo que se um deles for Keynes haverá quatro” tem algo de verdadeiro. Se juntássemos os mais reputados economistas numa fila perfeita, arriscar-nos-íamos a vê-los apontar em todas as direcções e sentidos. Em suma, uma folha que é dupla na ginkgo, uma opinião que se desdobra na cabeça do economista.
3. O jacarandá faz-me tender para a arquitectura. Associo-o ao culto da estética da forma e das cores e à preocupação com o equilíbrio e harmonia entre as diferentes partes da árvore. Nos jacarandás há um sentido holístico que, creio, também é uma preocupação da arquitectura. O resultado é maior do que a soma das parcelas e varia em função da luz de cada dia.
Nos dias mais sombrios surge com um tom mais intimista numa junção com o tom plúmbeo do céu. Nos dias de sol luzidio e mediterrânico deixa-se observar em tons de pigmentos mais azuis do que magenta. É este triplo holismo da passagem de uma das singelas flores para o conjunto de uma inflorescência, de todas as inflorescências para a árvore e de cada uma destas para o conjunto de jacarandás, que lhe dão a forma acabada de uma obra da natureza e na natureza. Admito que este exercício, estética e funcionalmente holístico, seja uma trave-mestra na actividade de arquitecto.
4. E a oliveira? A oliveira é, entre as árvores, uma das que mais me fascinam. A mistura entre o verde tímido e o prateado encoberto das suas meticulosas folhas é inigualável. O tronco austero, por vezes vergado pela idade, é a expressão da fidelidade e da fraternidade. Não aparenta dor, mesmo que suportando as amputações a que o tempo e as gentes a sujeitam. A oliveira só poderia ser persistente. Na folha que não cai, no tronco nodoso que resiste, na azeitona oblonga que volta de novo. A oliveira é o símbolo da paz, como poderia ser o da austeridade, da contenção, do rigor. É a árvore que melhor conhece e tem domínio sobre a sua própria anatomia.
Todos estes traços me levam a associá-la mais ao exercício ideal da medicina. Porque é indissociável da sabedoria, do rigor, da cooperação, da resistência, do respeito pelo todo, da solidariedade, da empatia. Por outro lado, conduz-me a analisar esta questão no âmbito da inequação a que a actividade médica também não é imune: a natureza finita dos recursos face à procura infinita de saúde.
5. Passo agora ao “binómio plátano-gestor”. O tronco desta árvore é um ex-líbris botânico. A casca mostra-se esfoliada e escamosa de um modo irregular, produzindo um mosaico marmoreado entre o verde pistácio, o cinzento elegante e o castanho-amarelado. Basta que se olhe para esta casca macia e quase pictórica, para ser identificada imediatamente. Por vezes, lembrando, num registo amplificado, a pele de uma serpente. Noutras ocasiões, o tronco mais se assemelha a um desenho de um mapa imaginário. Numa cosmética tão estranha quanto bela, muda de “pele” todos os anos. Convido, aliás, o leitor deste despretensioso texto a imaginar-se, munido de uma moldura vazia e juntando-a ao tronco do plátano, compor, de entre muitos, um quadro geometricamente abstracto.
É uma árvore com sentido de liderança. Suporta as podas, com uma boa e equilibrada capacidade estratégica de novas formas de crescimento face aos recursos de que dispõe. Desenvolve uma consistente gestão do tempo. É uma das árvores que melhor resolve metodicamente riscos, designadamente de contexto (ambiental). Direi que é uma das árvores com mais “inteligência emocional”. Todos estes predicados são também alguns dos mais exigíveis à função de gestor empresarial.
6. Por fim, associo idealmente a profissão de professor à magnólia. Primeiro, por ser uma árvore de folha persistente, de fibra determinada, metódica no desenvolvimento, com uma personalidade tão forte quanto acolhedora. Exactamente características do professor exemplar. É uma árvore com um ritmo de crescimento paciente, seguro e firme, raízes profundas, caule erecto, aspectos que sempre devem estar presentes no exercício desta profissão. A “marca de água” da magnólia (da Magnolia grandiflora, porque há outras espécies) reside nas suas flores brancas, resistentes, singulares, odoríferas, que têm a capacidade de nos entusiasmar, de criarem uma forte empatia e de despertarem a curiosidade sobre elas próprias. Afinal, também traços que, no plano entre quem ensina e quem aprende, são indissociáveis da magistratura do ensino.
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.