Consigo imaginar um futuro próximo em que as salas de cinema se transformaram em experiências imersivas de realidade virtual massificadas para grande parte da população, experiências que nos transformam em testemunhas da história que está a ser narrada no filme.

Não chegámos lá ainda (de forma massiva) e nem é certo que venhamos a chegar. Para já, o cinema está numa encruzilhada perigosa em que a cultura da ida ao cinema pode muito bem ser uma das vítimas de uma crise global de saúde pública que tem afetado principalmente as indústrias culturais.

Os grandes estúdios norte-americanos têm-se mostrado relutantes em estrear produções dispendiosas enquanto a pandemia estiver em curso. A estreia de “Tenet” de Christopher Nolan não salvou o cinema, mas nenhum filme teria esse poder num ano tão devastador para a Cultura.

Esta semana, os estúdios anunciaram o adiamento de grande parte dos filmes mais aguardados do ano como “Black Widow”, o novo James Bond, ou “Dune” para 2021. As consequências desta decisão não se fizeram esperar. A Cineworld anunciou o fecho temporário de 663 salas de cinema nos EUA, pondo em causa mais de 40 mil empregos.

O novo aumento de casos de coronavírus por todo o mundo faz prever um cenário de contenção por parte dos espetadores nos próximos meses, mesmo estando a ser cumpridas todas as normas. Se somarmos a isto a ausência de filmes para ver, os estúdios arriscam-se a chegar a 2021 sem salas abertas.

Muito se tem falado do streaming como a nova estratégia capaz de abater os avultados prejuízos resultantes desta crise, sendo que esta terá o poder de alterar radicalmente os nossos hábitos de consumo cultural.

Na verdade, essa transformação já está em curso. Neste momento, não há uma única corporação da área do entretenimento que não esteja a preparar a sua entrada no streaming (a nível nacional, a SIC apresentou novidades esta semana), face aos resultados positivos esmagadores por  parte do líder do mercado, a Netflix, uma das poucas empresas que se pode gabar de um ano em grande em 2020.

A imensa oferta do catálogo da Netflix tem permitido às famílias ver séries e filmes em segurança nas suas casas, ao mesmo tempo que tem levado cinéfilos e profissionais da indústria de todo o mundo interrogar-se seriamente sobre o futuro do cinema.

O coronavírus irá, sem dúvida, acelerar a massificação de subscrições de canais streaming, assim como intensificar a produção de conteúdos originais, e esperemos que possa forçar operadoras de telecomunicações a adaptarem os seus pacotes de oferta já bastante ultrapassados.

Mas o que dizer das pequenas salas de cinema independentes? Os clássicos de cinema, indies e reposições têm assegurado alguma vitalidade a esse tipo de salas, infelizmente limitadas a grandes centros urbanos como Lisboa e Porto. Mas a verdade é que o cinema não sobrevive apenas na sua expressão mais independente ou artística. Goste-se ou não, a viabilidade da indústria assenta em grande parte nos blockbusters. A cultura da ida ao cinema está em perigo, como tantas outras coisas arrasadas por esta pandemia.

Os próximos tempos serão certamente de grande reformulação tecnológica e digital na forma como consumimos cinema, e não só. Esperemos que esse novo mundo não se limite às quatro paredes das nossas casas.