É inquietante ver a deputada Mariana Mortágua dizer, em plena convenção do partido socialista, que é preciso “perder a vergonha e ir buscar a quem está a acumular dinheiro” e a sala romper num aplauso. O que quer isto dizer ao certo? Compreende-se o inestimável valor que, para o Governo, terá o apoio parlamentar do Bloco. Mas há limites. E o que preocupa é que, por vezes, o PS parece disposto a ultrapassá-los.

A frase de Mortágua está repleta de ideologia, a mesma que, em boa verdade, pretende legitimar o novo imposto sobre o património imobiliário. E que poderá perfeitamente ter, como passo seguinte, a tributação de poupanças bancárias. Não é difícil imaginar o argumento: a classe média ganha mil euros mensais, logo, não tem poupanças de mais de vinte ou trinta mil euros, logo, contas com mais de cinquenta mil euros são dos ricos, esses malandros, logo, vamos tributá-las.

Afinal, dirão, não é diferente ter a riqueza acumulada em património imobiliário ou em contas bancárias. Se tributamos uns, tributamos outros. Mas não é esse o “contrato” que o PS tem com os seus eleitores nem com os seus militantes. O PS é, ou deveria ser, o garante da social-democracia moderna e da defesa dos princípios políticos e económicos em que se funda o Estado. E preocupa que isso não pareça tão claro para o partido como foi para os seus votantes na altura das eleições, alguns dos quais nunca imaginaram ver o partido no Governo com o apoio da esquerda.

Ter o PS no poder ao sabor da agenda do Bloco e do PCP e sem uma noção clara da linha que não pode cruzar é motivo de forte apreensão. E o que se está a passar com este novo imposto sobre o património imobiliário é disso um claro exemplo. É que, para além dos propósitos políticos dos partidos de esquerda que apoiam o Governo, é difícil ver benefícios no novo imposto que está na forja.

Primeiro, o potencial da medida como desincentivo ao investimento privado no imobiliário parece superar bastante aquele que terá como geradora de receita fiscal. Regimes como o do residente não habitual ou o dos vistos gold têm tido um importante papel na atração de investimento estrangeiro. Os países que connosco têm competido por ele estão, seguramente, felizes com este tiro no pé que mais não fará do que desviar receita para outras bandas.

Depois, é profundamente injusto para quem tem património imobiliário mas não liquidez, como sucede com os milhares de portugueses que herdam casas. Claro que o rendimento originado por imóveis deve ser tributado. Agora, quando estes não geram qualquer receita, um imposto como o que está na calha mais não é do que um ataque ao direito de propriedade privada. Além disso, também é injusto para quem se endividou para comprar casa – a tal classe média que, para o Bloco (e, pelos vistos, para o Governo), é rica – e agora, além do empréstimo, pagará também o imposto.

É ainda injusto para quem investiu em património imobiliário à luz do regime fiscal atual e que, de repente, passa a ter de pagar ao Estado muito mais do que o esperado, e do que esteve na base da sua decisão de investimento. Por fim, além de injusto, mina a confiança no país e promove a fuga de capitais. E, claro, retirar, desta forma, a liquidez de que alguns contribuintes ainda dispunham até aqui é só mais um grão de areia para a engrenagem de uma economia que teima em não crescer. Pena que, no Governo, ninguém pareça muito preocupado com isto.