Recentemente estive numa instituição universitária, convidado para proferir uma palestra sobre o desafio das alterações climáticas, e o professor que me recebeu, ao querer mostrar o seu interesse e conhecimento sobre o assunto, referiu-me desde logo, em termos altamente elogiosos, William Nordhaus, o professor de economia da Universidade de Yale muito conhecido pelos seus modelos económicos sobre a mitigação das alterações climáticas. Estes modelos serviram de base para dar resposta ao desafio das alterações climáticas nos EUA e, de um modo geral, nos países com economias avançadas, nos últimos 25 anos, e granjearam a Nordhaus o prémio Nobel da economia em 2018, juntamente com Paul Romer. Disse-lhe que também conhecia os artigos de Nordhaus e reorientei um pouco a narrativa da intervenção.

A avaliação do que foi feito nas últimas décadas pelos países com economias avançadas para diminuir as emissões de gases com efeito de estufa permite claramente concluir que não resolveu o problema, pelo contrário o problema agravou-se e o desafio de controlar as alterações climáticas é cada vez maior. Há várias formas de se procurar racionalizar o que se passou, mas não considero possível ignorar o papel desempenhado pelo modelo económico dominante à escala global. Porém, o problema é mais complexo do que isso.

Comecemos pela parte estritamente económica. A Revolução Industrial do século XVIII trouxe um benefício crucial: o uso intensivo e crescente de energia foi determinante para permitir que grande parte da humanidade usufruísse de níveis também crescentes de bem-estar e prosperidade económica.

Este tipo de progresso deve-se em parte aos combustíveis fósseis, em primeiro foi o carvão, depois o petróleo e finalmente o gás natural. Para termos uma ideia desta revolução na quantidade de energia consumida, note-se que o consumo anual e global de energia per capita aumentou de cerca de 20 GJ (109 Joules) em 1800 para 74 GJ em 2018, ou seja um fator de 3,7. A população mundial aumentou desde cerca de 1000 milhões em 1800 para 7600 milhões em 2018, um fator de 7,6, e o PIB global e real per capita por um fator de 10,8. A energia tornou-se o pilar fundamental do desenvolvimento das sociedades contemporâneas. Sem energia abundante, acessível e barata não há desenvolvimento e a pobreza tende a regressar.

O modelo neoclássico da economia abraçou o paradigma energético dos combustíveis fósseis e otimizou-o habilmente. Mas fez mais do que isso. Deslumbrado com os benefícios que os progressos científicos e tecnológicos permitiram, o modelo pressupõe que o progresso, medido em termos de crescimento do PIB global real, está potencialmente garantido para sempre e que para assegurar o sucesso é apenas necessário manter o equilíbrio da economia. Pressupõe que todos os problemas económicos se resolvem fragmentando-os em problemas mais restritos e aplicando análises de custo-benefício que permitem otimizar as condições de crescimento da economia.

Os combustíveis fósseis fazem parte do equilíbrio da economia atual e, portanto, uma mudança de paradigma energético é desaconselhável. Desaconselha-se o investimento robusto numa economia de baixo carbono para evitar prejudicar uma economia de elevado carbono que, por enquanto, vai funcionando e pode continuar a ser otimizada por meio de medidas marginais.

Evidentemente, há formas muito mais sofisticadas de caracterizar como a economia neoclássica mainstream propõe resolver o problema das alterações climáticas. Por exemplo, W. Nordhaus preconiza uma taxa social de desconto constante no tempo de 3% para o investimento em mitigação, enquanto outros economistas consideram necessário usar na mitigação taxas sociais de desconto muito mais baixas, praticamente nulas, como por exemplo o economista britânico Nicholas Stern.

A ideia neoclássica básica é a de que as gerações futuras terão muito mais capacidade de resolver o problema das alterações climáticas do que a contemporânea porque vão beneficiar de maior riqueza e de muito mais tecnologia. Não é necessário estarmos a prejudicar agora a economia com investimentos avultados, cujos benefícios só se irão materializar daqui a várias gerações sociais dado que o crescimento está e estará sempre garantido!

Esta narrativa da economia neoclássica assegurou o adiamento da resolução do problema das alterações climáticas, o que o agravou, tornando-o cada vez mais difícil de resolver. Entretanto, devido às alterações climáticas, os eventos meteorológicos extremos intensificaram-se e tornaram-se mais frequentes, o que prejudica a economia de forma cada vez mais grave.

Em conclusão, o modelo neoclássico é desadequado para a solução do problema das alterações climáticas e de outros desafios globais de importância crescente para a humanidade tais como a sobre-exploração dos recursos naturais, a degradação do ambiente e a perda de biodiversidade. É desadequado porque tem dificuldade em lidar com o tempo multigeracional envolvido nas alterações globais, conforme procuro mostrar no meu último livro “Time, Progress, Growth and Technology. How Humans and the Earth are Responding”, Springer, 2021.

É um erro pensar que os modelos económicos podem ser imutáveis e definitivos. Tais como os anteriores, e como tudo que é humano, o modelo neoclássico irá eventualmente transformar-se e ser substituído, e já há sinais de várias tentativas nesse sentido. Esta evolução é dificultada pelo monopólio sobre as grandes revistas de investigação internacionais de economia que tendem a rejeitar os artigos que procuram libertar-se da ortodoxia neoclássica.

Mas há no horizonte outras dificuldades para combater as alterações climáticas que têm essencialmente a ver com a natureza global do problema e com as diferenças profundas de nível de desenvolvimento socioeconómico entre nações.

Já sabemos que por ser um problema global é necessário que todos os países, e não apenas alguns, reduzam as suas emissões. Porém, a solução exige ainda a neutralidade carbónica global, ou seja, a redução a zero do balanço líquido das emissões de gases com efeito de estufa com emissões antropogénicas, em especial do dióxido de carbono (CO2), que é o principal gás com efeito de estufa. Se as emissões líquidas globais não chegarem a zero a temperatura média global da atmosfera à superfície não baixa e continua a subir. Só começa a baixar passadas muitas décadas de se reduzir a zero o balanço líquido das emissões, devido à inércia do sistema climático. Estas dificuldades podem ser atenuadas recorrendo às emissões negativas, tais como a captura do CO2 atmosférico por meios químicos.

Consideremos agora a questão das diferenças de desenvolvimento entre países.

A população total dos países da OCDE, que inclui todos os que têm economias avançadas, representava em 2020 apenas 16,8% da população mundial. Os restantes 83,2% vivem em economias emergentes ou em desenvolvimento pelo que, em média, não usufruem dos mesmos níveis de bem-estar e prosperidade económica dos primeiros. A ambição destes é atingir ou ultrapassar os níveis de desenvolvimento socioeconómico dos primeiros e, para isso, é necessário consumir quantidades crescentes de energia acessível e barata.

O melhor candidato para esse fim são os combustíveis fósseis. Por outras palavras, os países fora da OCDE estão em geral muito mais longe do que os países da OCDE de conseguir a transição energética para as energias renováveis porque esta exige avultados investimentos de capital iniciais. Sem a ajuda empenhada dos países da OCDE será muito difícil ou mesmo impossível os outros efetuarem a referida transição. Em qualquer caso, é muito importante que os países com economias avançadas deem o exemplo de descarbonizar as suas economias. Só assim poderão convencer os restantes de que estão realmente comprometidos em resolver o problema.

Neste aspeto a União Europeia (UE) tem liderado o mundo. A Lei Europeia do Clima, cujo Regulamento, aprovado durante a Presidência Portuguesa do Conselho Europeu foi publicado em 30 de junho de 2021, cria o objetivo vinculativo de atingir a neutralidade carbónica em 2050 e estabelece uma meta intermédia de redução das emissões de 55% em 2030, relativamente a 1990. Estamos perante um objetivo ambicioso que irá ter impactos profundos a nível socioeconómico, mas que é necessário para a UE cumprir aquilo a que se comprometeu no Acordo de Paris.

Em 14 de julho foram publicadas através do documento “Objetivo 55” (COM(2021)550) um conjunto de propostas de medidas para atingir o objetivo dos 55%, porém estima-se que a sua aprovação por todos os Estados-membros da UE leve dois a três anos.

Trata-se de medidas exigentes em praticamente todos os setores da economia, incluindo propostas de novas diretivas: sobre energias renováveis, que fixará uma meta de 40% e de 49% apenas para o setor dos edifícios, sobre eficiência energética, incluindo a exigência de renovar anualmente 3% dos edifícios, e sobre tributação da energia. No setor dos transportes propõe-se a proibição de venda de novos veículos ligeiros a gasolina e gasóleo a partir de 2035 e a redução das emissões em 100% nos transportes rodoviários com automóveis de passageiros e veículos comerciais ligeiros.

Portugal irá ter dificuldades em substituir os cerca de quatro milhões de viaturas ligeiras por veículos elétricos com um crescimento atual de apenas cerca de 30 mil carros por ano. Será também difícil cumprir as metas de eficiência energética dos edifícios dado o envelhecimento do parque habitacional. Cumprir a proposta de disponibilidade de eletricidade renovável nos portos e aeroportos nacionais não será fácil.

O objetivo de aumentar a capacidade das florestas da UE absorverem 7% das atuais emissões anuais de CO2, ou seja, cerca de 310 milhões de toneladas de equivalente de CO2 até 2030, constitui um desafio difícil no Sul da Europa devido ao risco crescente, nessa região, de incêndios rurais e florestais, causado pelas alterações climáticas.

A nível internacional, a Comissão Europeia prepara-se para tributar a pegada carbónica das importações de ferro, aço, cimento, fertilizantes e eletricidade provenientes de países que ainda não adotaram uma descarbonização comparável, através de um mecanismo de ajuste fronteiriço de carbono. É uma medida necessária para preservar a competitividade externa da UE, mas é ainda muito incerto como irão reagir os outros países.

Os EUA mudaram a sua narrativa sobre as alterações climáticas com a presidência de Joe Biden mas estão ainda longe de aprovar no Congresso um programa ambicioso de descarbonização da economia, tal como o da UE. A China anunciou que iria atingir a neutralidade carbónica em 2060 mas ainda não revelou o plano para o fazer. Se as relações entre os EUA e vários países ocidentais, especialmente os anglo-saxónicos, e a China, continuarem a degradar-se, é provável que a China se torne menos cooperante na questão do clima.

Quanto à Índia, que é o terceiro maior emissor mundial de gases com efeito de estufa e tem uma grande dependência no carvão, foi o único dos 51 países convidados para uma reunião realizada em Londres em 27 de julho, destinada a preparar a COP26 do clima em novembro, em Glasgow, a não aparecer. Dias antes, a 22-23 de julho, a Índia dificultou as decisões finais da reunião ministerial sobre Ambiente, Clima e Energia do G20 por considerar que o uso do carvão é essencial para assegurar o seu crescimento económico.

Filipe Duarte Santos assina este texto na qualidade de Autor do ensaio “Alterações Climáticas”, publicado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos