As desastradas declarações do presidente do Eurogrupo acerca dos países que receberam apoio financeiro da União Europeia não passariam de um disparate revelador da menoridade do seu autor se não espelhassem um certo pensamento que se enraizou nos últimos anos entre parte das lideranças europeias.
As celebrações dos 60 anos da assinatura do Tratado de Roma não conseguem iludir uma crua realidade: a crise das dívidas soberanas consolidou uma clivagem entre o Norte e Sul da Europa. O Norte, liderado pela Alemanha, não está disposto a correr riscos internacionais que ponham em causa os seus cada vez mais frágeis equilíbrios políticos internos. Atrás da Alemanha, os seus satélites esforçam-se por ser “mais papistas do que o Papa”, numa atitude que põe a nu as fragilidades dos próprios Estados. Esta clivagem é uma das principais responsáveis pelo reforço dos partidos extremistas que, por sua vez, a alimentam, num ciclo que parece não ter fim.
Na nova Europa, aprendemos a sofrer com eleições que até há pouco nada nos diziam e a celebrar quando o candidato de um partido neo-fascista tem mais de 40% dos votos mas… não consegue ganhar. Nesta novo velho continente, regozijamo-nos pela vitória de candidatos com programas contaminados pela extrema-direita, porque, pelo menos, evitam que a versão original e assumida chegue ao poder. As eleições para o Parlamento Europeu, para as opiniões pública e publicada, não passam de meras sondagens sobre o que realmente importa: a distribuição de poder dentro dos Estados.
E este é o grande fracasso europeu: a incapacidade de empatizar com os cidadãos e de os fazer compreender que as suas vidas também passam por Bruxelas, através do Parlamento, da Comissão, dos Conselhos e do Tribunal. A UE toca diariamente nas nossas vidas, quando pagamos menos de conta do telefone, quando vemos um filho estudar seis meses numa universidade italiana ou holandesa, ou quando damos a democracia e as liberdades como garantidas. Porém, não nos apercebemos verdadeiramente dos seus benefícios, porque o Estado continua a monopolizar o enquadramento das nossas identidades nacionais.
Sessenta anos depois da instituição da então Comunidade Económica Europeia, cabe ir além da gestão dos danos da eventual saída do Reino Unido e apostar na consolidação dos ganhos. Nesta etapa, reabrir discussões estéreis e sem resultados práticos como a da “Europa a várias velocidades” só serve para causar mais ruído. No momento em que vivemos, nem sequer nos é possível alterar tratados, pelos braços-de-ferro internos e pela aquisição de (mais) protagonismo pelos extremistas que resultaria desse tipo de discussão.
Na prática, estamos reféns de um novo contexto. Só quando superarmos esta penosa etapa isolacionista e apagarmos os fogos ateados na última década poderemos voltar a pensar no destino comum da Europa… se esta ainda existir.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.