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CMVM avança com eventuais contra-ordenações por venda enganosa de produtos do Banif

Entre as conclusões, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários diz que há documentos do Banif que se perderam na Resolução quando passaram para o Santander Totta, que não tem legalmente a obrigação de guarda desses documentos. O regulador pede que lei bancária seja alterada para evitar perda de documentos em Resoluções.
Rafael Marchante/Reuters
7 Junho 2019, 12h39

A Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) publicou esta sexta-feira as conclusões sobre reclamações e supervisão relativas aos instrumentos financeiros comercializados pelo Banif após a sua resolução, de investidores individuais que se viram impossibilitados de recuperar os montantes investidos naqueles produtos.

Entre as principais conclusões está a de que não há misselling (venda enganosa de produtos financeiros) generalizado, mas há casos de misselling, e para estes a CMVM avançou com processos de contra-ordenação. São 17 casos (representativas de 2% do conjunto de reclamações recebidas na CMVM) onde foi possível encontrar evidência de irregularidades na comercialização dos produtos, diz o supervisor dos mercados.

Mas há mais. A CMVM detetou que alguns documentos saíram do Banif para o Santander e para a Oitante, com o resolução do banco em dezembro de 2015. Ora, a lei não obriga por exemplo o Santander a guardar esses documentos e por isso a CMVM faz uma recomendação para que se altere a lei bancária (RGICSF) para que as entidades compradoras de bancos em resolução fiquem abrangidas pela obrigação de guarda desses documentos.

A CMVM fala em “falta de mecanismos específicos de salvaguarda dos deveres de conservadoria da documentação num contexto de resolução. Face ao sucedido, a CMVM entende e já partilhou que se justifica uma alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que clarifique e acentue a relevância de tal estar explicitamente acautelado”.

“Não foi, assim, evidenciada a existência de práticas generalizadas de violação de deveres legais pelo Banif (práticas agressivas de vendas ou misselling na colocação de instrumentos financeiros), atendendo também, num relevante número de casos, à impossibilidade de recolha de meios de prova relevantes que – para além da documentação legalmente exigida – permitissem reconstituir em toda a sua plenitude os exatos termos e conteúdo das interações entre o Banif e os seus clientes, sem prejuízo da existência de sinais de que tais práticas poderão ter existido em alguns casos concretos”, explica a CMVM nas suas conclusões.

Na sequência da resolução do Banif, no final de 2015, “a CMVM recebeu um elevado conjunto de reclamações de investidores individuais que, por efeito da resolução, viram perdidos os valores correspondentes aos seus investimentos em instrumentos financeiros emitidos e comercializados por esta entidade e por outras entidades no seu perímetro”, contextualiza o supervisor.

“A CMVM conduziu, especialmente a partir de finais de 2017, um trabalho extenso de análise e supervisão sobre a atuação do Banif na comercialização destes instrumentos financeiros, com vista ao apuramento de eventuais responsabilidades”, explica a instituição. “Os 1.002 processos de análise de reclamações encontram-se todos concluídos e as últimas notificações serão enviadas aos investidores até 15 de junho”, refere a CMVM.

 

Perguntas & Respostas  sobre a atuação da CMVM no Banif ao nível da comercialização de instrumentos financeiros

O que já fez a CMVM no acompanhamento do caso Banif?

A CMVM acompanhou a atividade do Banif – Banco Internacional do Funchal enquanto emitente e intermediário financeiro desde o início da crise, especialmente desde a aprovação do Plano de Recapitalização em janeiro de 2013. Ainda antes da resolução, e a complementar o seu trabalho de supervisão contínua, a CMVM realizou duas ações de supervisão presencial, uma em 2013 e a outra em 2015, focadas, respetivamente, na colocação de um aumento de capital e de uma emissão de dívida subordinada, não tendo encontrado problemas relevantes com estas operações. Entre o final de 2015, quando foram aplicadas a medidas de resolução, e meados de 2017, a CMVM recebeu cerca de 1.000 reclamações de investidores que analisou em detalhe; e no segundo semestre de 2017, decidiu iniciar um plano integrado de supervisão compreendendo a continuação do tratamento das reclamações, entrevistas a colaboradores e reclamantes, e uma ação de supervisão presencial.

Ao longo de todo este período, a CMVM manteve a respetiva associação de investidores (ALBOA) e outras entidades interessadas informadas sobre o acompanhamento do caso.

As reclamações de investidores estão todas analisadas? O que se concluiu?

Sim, os 1.002 processos de análise de reclamações encontram-se todos concluídos e as últimas notificações serão enviadas aos investidores até 15 de junho.

Em 17 reclamações (representativas de 2% do conjunto de reclamações recebidas na CMVM) foi possível encontrar evidência de irregularidades na comercialização dos produtos objeto de reclamação, tendo seguido os respetivos processos para apuramento de eventual responsabilidade contraordenacional.

Em 34% das reclamações o Banif não disponibilizou e não foi por outros meios possível obter elementos que permitissem aferir da regularidade – ou irregularidade – da sua atuação.

Nas restantes reclamações, ou não se identificaram evidências de irregularidades na atuação do Banif (34%) ou os processos foram concluídos com a prestação de esclarecimentos aos reclamantes (30%).

A ação de supervisão está encerrada?

Sim. O processo foi extenso por três razões: por um lado, pela complexidade exigida pela supervisão a uma instituição que havia sido já objeto de resolução com a dimensão e relevância do Banif; por outro, pelas dificuldades colocadas pela dispersão da documentação entre o Banif, o Santander e a Oitante e pela ausência de documentação relevante, nomeadamente para efeitos de prova; e, finalmente, pela grande quantidade de informação que, ainda assim, a CMVM conseguiu reunir e analisar. Como já é público, a informação analisada abarcava o histórico de investimento da generalidade dos clientes do Banif desde 31 de dezembro de 2010, totalizando mais de seis milhões de registos, bem como os registos e arquivo digital dos departamentos de Marketing e de Compliance, comportando em conjunto, quase 400 GB em 660 mil ficheiros.

O que concluiu a supervisão ao Banif? Há misseling, mas não generalizado, e há documentos que desapareceram
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Entre as principais conclusões da supervisão ao Banif, está o facto de se ter apurado, relativamente à colocação de determinadas emissões de obrigações junto de alguns grupos e franjas de clientes, indícios de investimentos potencialmente desadequados face ao perfil desses clientes.

Mas a CMVM também conclui que, da análise das declarações prestadas à Comissão por investidores e ex-colaboradores do Banif, e da informação recolhida na ação de supervisão, não foi possível apurar evidências, para além de qualquer dúvida razoável, da existência de práticas generalizadas de violação de deveres legais de comercialização de instrumentos financeiros pelo Banif.

Por outro lado, os elementos e documentos analisados não permitiram identificar evidências de ‘misseling’ generalizado. Isto refere-se ao desaparecimento de documentos. A CMVM realça que a ação de supervisão, efetuada depois da resolução do Banif, conheceu limitações pelo facto de não ter sido possível reconstituir elementos de prova, como por exemplo eventuais e-mails trocados entre colaboradores ou entre estes e clientes, e outra documentação física relevante.

Quer em anteriores supervisões quer no âmbito do tratamento das reclamações, a CMVM verificou, relativamente a muitos casos, que o Banif facultou e entregou aos clientes toda a documentação informativa legalmente exigida (no âmbito de ofertas públicas, nomeadamente) e deu cumprimento às regras legais relativas à avaliação do carater adequado das operações.

Que tipos de situações encontrou a CMVM?

Foram detetadas franjas de investidores não profissionais cujo perfil (seja pela idade avançada, pela ausência de literacia financeira, pelo facto de nunca terem investido em instrumentos financeiros com grau de complexidade semelhante, ou ainda pelo peso do investimento no património do cliente), podem indicar situações de menor adequação em relação aos instrumentos financeiros em que investiram, sem que todavia exista evidência (salvo num número residual de casos) de violação dos deveres de comercialização legalmente estabelecidos.

A CMVM avança para contraordenações?

Relativamente a esses casos residuais a CMVM agirá em conformidade com os seus poderes e deveres de atuação, encontrando-se os mesmos a ser tratados em sede contraordenacional.

Que dificuldades enfrentou a CMVM no acesso a documentação?

A ação de supervisão decorreu em momento subsequente à resolução do Banif. A CMVM não conseguiu obter meios de prova que se afiguravam essenciais para aferir em toda a sua extensão os termos e conteúdo das interações entre o Banif e os seus clientes no âmbito da comercialização de instrumentos financeiros. Não foi também possível recuperar boa parte da documentação física referente a processos de clientes que pudesse contribuir para apurar, para além de qualquer dúvida razoável, se, quando, em que termos, e em relação a que investidores foram violados deveres de intermediação financeira por parte do Banif.

Quais as causas que dificultaram o acesso a toda a informação relevante?

Há razões de diversas ordens, desde a cessação de contratos com a empresa que mantinha informação em suportes digitais, até à impossibilidade de localização de documentação física na sequência da medida de resolução e da decisão conexa de repartição de responsabilidades e ativos pela Oitante e pelo Banco Santander. Em comum estas razões partilham a falta de mecanismos específicos de salvaguarda dos deveres de conservadoria da documentação num contexto de resolução. Face ao sucedido, a CMVM entende e já partilhou que se justifica uma alteração ao Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que clarifique e acentue a relevância de tal estar explicitamente acautelado.

Quais as condições para constituição de um fundo de recuperação de créditos? 

As condições para a constituição de um fundo de recuperação de créditos estão definidas na Lei n.º 69/2017, de 11 de agosto, que se aplica aos “fundos que visem a recuperação de créditos detidos por investidores não qualificados emergentes ou relacionados com a subscrição de valores mobiliários representativos de dívida, sujeitos à lei portuguesa, ou comercializados em território português.

Mas para serem elegíveis para um fundo de recuperação de créditos (que foi posto em prática por exemplo no BPP) é preciso que: Os instrumentos financeiros em causa tenham sido comercializados por instituição de crédito que posteriormente tenha sido objeto de medidas de resolução, ou por entidades que com esta se encontrassem em relação de domínio ou de grupo;
O emitente dos instrumentos financeiros em causa estivesse insolvente ou em difícil situação financeira à data da comercialização; A informação [sobre a insolvência e difícil situação financeira] não constasse dos documentos informativos disponibilizados aos investidores, ou que exista prova da violação dos deveres de intermediação financeira pela entidade comercializadora; E que existam indícios ou outros elementos de acordo com os quais as entidades que comercializaram os instrumentos financeiros em causa possam ser responsabilizadas pela satisfação daqueles créditos.

Além destas condições, os pedidos de autorização para a constituição de fundos de recuperação de créditos têm de ser instruídos com um conjunto de elementos, entre os quais a “Descrição da atividade a desenvolver pelo fundo de recuperação de créditos, acompanhada dos elementos necessários à demonstração de que dispõe, ou disporá dos recursos, dos financiamentos ou de garantias do Estado ou de outras entidades que assegurem a capacidade do fundo em honrar a totalidade dos seus compromissos”, sendo assim condição fundamental a demonstração da viabilidade financeira do fundo, incluindo para fazer face a despesas de gestão do mesmo.

Quem pode pedir a constituição de um fundo de recuperação de créditos? 

O pedido de autorização apenas pode ser apresentado por entidade gestora designada por uma associação que se encontre registada junto da CMVM e que represente, pelo menos, 50 % do universo dos potenciais participantes, e a decisão da CMVM baseia-se exclusivamente em critérios de legalidade, sendo apenas possível determinar a possibilidade de constituição de um fundo em face dos elementos concretos respeitantes ao respetivo pedido de constituição.

A CMVM diz no seu documento que faz o balanço da ação de supervisão ao Banif que “os resultados da ação de supervisão foram atempadamente comunicados à Comissão Liquidatária do Banif e ao Banco de Portugal. O Governo, a Assembleia da República e partes interessadas, bem como a Associação de Lesados do Banif (ALBOA), receberam uma súmula das conclusões”.

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