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CMVM limita a venda do derivado CFD a investidores não profissionais

A CMVM segue a recomendação da ESMA e pôs um projeto de regulamento a consulta pública até 27 de fevereiro. Esta legislação surge porque segundo dados recolhidos em vários Estados-Membros há cerca de 74% a 89% dos investidores não profissionais que investem em CFDs e perdem dinheiro. Sendo que em média, perdem entre 1.600 euros e 29.000 euros.
20 Janeiro 2019, 16h51

A CMVM pôs à consulta pública até 27 de fevereiro o projeto de regulamento que restringe a comercialização e distribuição de CFDs – Contract for difference e proíbe a comercialização e distribuição de opções binárias em Portugal a investidores não profissionais.

Depois de concluída a consulta pública o regulamento (já tendo em conta essa consulta) terá de ser aprovado em Conselho de Administração da CMVM e depois publicado em Diário da República.

O regulamento restringe a comercialização, distribuição e venda de contratos diferenciais (CFD), que são considerados produtos financeiros derivados complexos, e proíbe a comercialização, distribuição e venda de opções binárias (BO) em Portugal a investidores não profissionais. Este regulamento segue as orientações da ESMA (Autoridade Europeia dos Valores Mobiliários e dos Mercados).

«Contrato diferencial» ou «CFD», refere-se a um derivado que não seja uma opção, um futuro, um swap ou um contrato a prazo de taxa de juro, com o objetivo de proporcionar ao titular uma exposição longa ou curta a flutuações do preço, nível ou valor de um determinado subjacente, independentemente de ser negociado num espaço de negociação, e que deve ser liquidado em numerário ou pode ser liquidado em numerário por opção de uma das partes que não tenha por motivo a predefinição ou outro fundamento para rescisão.

A CMVM alerta que os CFDs são instrumentos financeiros complexos, onde o preço, as condições comerciais e a liquidação não estão normalizados, o que, por sua vez, dificulta a capacidade de os investidores não profissionais compreenderem os termos e condições destes instrumentos financeiros.

“Acresce que muitos distribuidores de CFDs obrigam os clientes a aceitar que o preço de referência utilizado para determinar o valor do CFD possa não coincidir com o preço de mercado do subjacente, o que constrange a capacidade de o investidor não profissional verificar se o preço proposto pelo distribuidor para o CFD é um preço justo”, adianta o regulador.

Depois os custos e encargos associados à negociação em CFDs podem igualmente ser complexos e pouco transparentes, o que dificulta o seu entendimento pelos investidores não profissionais, nomeadamente na sua capacidade de avaliar o desempenho previsto de um CFD, mas também o impacto que as taxas de transação vão ter nesse mesmo desempenho, às quais podem ainda acrescer custos de spread, outros custos de financiamento e comissões, explica a CMVM no seu projeto de regulamento.

É igualmente comum a cobrança de encargos de financiamento para manter um CFD aberto, como por exemplo, taxas diárias ou noturnas, às quais pode ainda ser acrescentada uma margem comercial.

“Por conseguinte, a complexidade e a variedade de custos e encargos associados a este instrumento financeiro, bem como os seus impactos no desempenho comercial dos clientes, tornam a compreensão deste instrumento financeiro particularmente difícil para os investidores não profissionais afetando, assim, a sua capacidade de tomar uma decisão de investimento informada”, escreve a CMVM.

O projeto de regulamento da CMVM abrange assim os CFDs que constituem contratos de derivados de liquidação monetária, cuja finalidade consiste em dar ao titular uma exposição, que pode ser longa ou curta, a flutuações do preço, nível ou valor de um subjacente. “Estes CFDs incluem, nomeadamente, os produtos de rolling spot forex e as apostas sobre diferenciais financeiros”, lê-se no documento.
Mas abrange também os CFD, que oferecem exposição, em termos de alavancagem, ao preço, ao nível ou às alterações de valor nas classes de ativos subjacentes, são um tipo de instrumento financeiro que já existe no mercado há alguns anos enquanto produto de investimento especulativo de curto prazo sendo que era tipicamente distribuído a uma reduzida base de clientes.

“Não obstante, nos últimos anos, tem-se assistido no mercado europeu, a uma crescente distribuição destes instrumentos financeiros a investidores não profissionais, apesar de os mesmos serem complexos e inadequados para esta categoria de investidores, o que tem suscitado preocupações de um grande número de reguladores europeus”, diz o documento que ainda está em consulta pública .

Cerca de 74% a 89% dos investidores não profissionais que investem em CFDs perdem dinheiro 

Esta legislação surge porque segundo dados recolhidos em vários Estados-Membros há cerca de 74% a 89% dos  investidores não profissionais que investem em CFDs e perdem dinheiro. Sendo que em média, perdem entre 1.600 euros e 29.000 euros.

Para os CFDs, em vários países europeus a percentagem de investidores não profissionais que negociaram CFDs com perdas financeiras oscilou entre 74% (na Irlanda) e 89% (em França), refere a CMVM.

Para as BOs [opções binárias], em vários países europeus a percentagem de contas de investidores não profissionais que negociaram BOs com perdas financeiras oscilou entre 81% (no Reino Unido) e 87% (no Chipre), e mais de 86% (na Polónia) dos investidores não profissionais que negociaram BOs sofreram perdas financeiras.

Confrontados com esta situação vários reguladores europeus tomaram medidas no sentido de reforçar a proteção dos investidores não profissionais em relação a estes instrumentos financeiros. Com efeito, alguns reguladores impuseram limites de alavancagem, restrições de comercialização, um requisito para assegurar a proteção de saldos negativos ou que os clientes fossem alertados de que estes instrumentos financeiros não são adequados para investidores não profissionais. No entanto, a ESMA considerou que estas medidas não permitiam minimizar de forma satisfatórias os riscos associados à comercialização destes instrumentos financeiros junto de investidores não profissionais.

Pois a complexidade destes instrumentos financeiros faz com que os mesmos não sejam adequados para os investidores não profissionais.

A ESMA, ao abrigo do Artigo 40 do Regulamento (UE) 600/2014 (Regulamento dos Mercados de Instrumentos Financeiros – RMIF) decidiu a 22 de maio de 2018 aplicar medidas temporárias de intervenção sobre alguns produtos considerados especulativos para os investidores não profissionais. Entre esses produtos estão os Contratos Diferenciais (CFDs – Contracts for Differences), cujas características são, entre outras, um elevado grau de complexidade;  um retorno esperado negativo para o investidor; com estruturas de preços, condições comerciais e de liquidação não normalizadas, o que dificulta a compreensão e a comparabilidade destes produtos; que dão possibilidade de alavancagem, o que, num cenário de perda, aumenta o detrimento para o investidor.

A ESMA deciciu também condicionar a comercialização de um outro produto complexo.  As Opções Binárias (BOs – Binary Options), cujas características são, entre outras, também um elevado grau de complexidade; que tem um retorno esperado negativo para o investidor; que possui uma estrutura de determinação de preços de difícil compreensão para os investidores não profissionais, o que dificulta especialmente a avaliação rigorosa do valor da opção e a sua relação com a probabilidade esperada de ocorrência do acontecimento de referência.

As medidas propostas pela ESMA (e seguidas pela CMVM) incluem para os CFDs: a restrição no marketing, distribuição ou venda de CFDs a investidores não profissionais. Esta restrição consiste na imposição de limites de endividamento (isto é, alavancagem) em posições abertas;  imposição da regra “margin close out” ao nível de cada conta detida; imposição de uma proteção do saldo negativo ao nível de cada conta detida; a proibição do uso de incentivos aos agentes que comercializem CFDs; e a produção de alertas de risco padronizados.

Já para as  BOs as medidas da ESMA passam pela proibição de ações de marketing, distribuição ou venda de BOs a investidores não profissionais.

As medidas temporárias de intervenção da ESMA são válidas durante 3 meses após a data de início da medida e renováveis por iguais períodos. Em dezembro de 2018, a ESMA procedeu à segunda renovação da medida, por 3 meses a partir de 1 fevereiro de 2019 para os CFDs e a partir de 2 de janeiro de 2019 para as BOs.

 

Riscos para os investidores não profissionais que invistam em CFDs e BOs

A ESMA identificou vários riscos para os investidores não profissionais que invistam em CFDs e BOs.

“De facto, estes produtos financeiros são extremamente complexos, de difícil compreensão, avaliação e comparabilidade, e com níveis de risco e volatilidade muito elevados. É expectável que tais características levem os investidores não profissionais a tomar decisões pouco informadas quando investem nestes produtos financeiros, o que poderá resultar em perdas financeiras para estes investidores”, refere a autoridade europeia dos mercados.

O retorno esperado do investimento nestes produtos é negativo, pelo que os investidores que os adquiram terão, em média, perdas financeiras com esse investimento.

Nos casos dos investidores não profissionais que contraem dívida para de seguida fazerem aplicações em CFDs e BOs, é expectável que a respetiva perda financeira seja superior ao montante de capital inicialmente investido, alerta a autoridade dos mercados financeiros. “Por outras palavras, em cenários onde os investidores não profissionais adquiram CFDs e BOs com recurso ao endividamento, porventura elevado, existirá um potencial de maiores perdas para estes investidores”, alerta a entidade de supervisão.

“Como as condições de negociação destes produtos financeiros apresentam elevados níveis de opacidade, a compreensão destas condições pelos investidores torna-se muito difícil, originando normalmente decisões de investimento pouco fundamentadas, com as consequentes perdas financeiras associadas”, considerou a ESMA.

Depois a maioria destes produtos são disponibilizados através de plataformas de negociação, muitas delas sem serviços de apoio (por exemplo, consultoria) na constituição e na gestão das carteiras de investimento dos investidores não profissionais, o que resulta, em muitos casos, em decisões de investimento pouco informadas. “Neste cenário, é expectável que os investidores incorram em perdas financeiras”, refere a nota.

A estrutura de custos (por exemplo, as diversas comissões cobradas) destes produtos financeiros é também pouco transparente, complexa e de difícil comparação, o que não ajuda os investidores não profissionais na tomada de decisões informadas e fundamentadas. Nestes casos, é de esperar que existam decisões pouco acertadas, com perdas financeiras para estes investidores não profissionais, salientou a ESMA.

Por último os modelos de negócio de CFDs, e em particular de BOs, colocam geralmente os interesses dos fornecedores destes produtos em conflito com os dos seus clientes investidores não profissionais uma vez que os fornecedores agem usualmente como contrapartes diretas na negociação com estes clientes. “Este risco de conflito de interesses acresce à assimetria de informação existente na distribuição e comercialização destes produtos”, considerou a ESMA.

Há ainda um alerta para o facto de nos CFDs o retorno esperado ser negativo, e isso ser ainda mais grave quando investidores não profissionais negoceiam com recurso à dívida, situação comum por toda a UE.

“Normalmente, os investidores não profissionais não possuem os conhecimentos necessários para entenderem as especificidades dos ativos subjacentes aos CFDs que negoceiam, o que implica um maior risco de decisões pouco fundamentadas e de maiores perdas financeiras”, considerou a autoridade dos mercados europeus.

Já para as opções binárias -BOs, a ESMA diz que o retorno esperado é negativo, o que implica que, em média, os investidores não profissionais que comprem estes produtos irão sofrer perdas financeiras; estas perdas aumentam quanto maior for a frequência de negociação.

Por outro lado as BOs incentivam a negociação excessiva e levam os investidores não profissionais a negligenciarem os custos associados a essa negociação (ex: pagamento de custos de negociação).

“As BOs são instrumentos de natureza especulativa e muito parecidas com produtos de jogo, normalmente associados a comportamentos aditivos e detrimento para quem neles investe”, especifica a ESMA.

A CMVM que tem como missão a proteção dos investidores e a estabilidade do mercado de capitais, decidiu seguir as orientações da ESMA. Pois “é expectável que, num cenário alternativo (isto é, num cenário onde a CMVM optasse pela não aplicação das medidas da ESMA), pudessem surgir situações de arbitragem regulatória, num contexto em que a CMVM apoia as medidas propostas pela ESMA e a sua aplicação ao mercado de capitais em Portugal”, explica a entidade nacional liderada por Gabriela Figueiredo Dias.

Num cenário onde os agentes do lado da oferta desloquem a comercialização e distribuição de CFDs e BOs de jurisdições onde tal não é permitido para outras jurisdições que permitam a comercialização e distribuição destes produtos (i.e. num cenário de “cross-border”) é expectável que existam perdas financeiras para os investidores não profissionais que adquiram CFDs e/ou BOs, alerta a CMVM.

Por outras palavras, “como as restrições da ESMA à distribuição e à comercialização destes tipos de produtos são de aplicação em toda a União Europeia, um cenário de não aplicação destas medidas restritivas em Portugal (e após o termo de aplicação das medidas da ESMA noutras jurisdições da UE) incluiria, muito possivelmente, a migração da comercialização e distribuição destes produtos financeiros das jurisdições onde as medidas restritivas estariam em vigor para Portugal, para a partir do nosso país poderem comercializar e distribuir esses produtos a investidores não profissionais”, adianta a CMVM.

Isto poderia levar a um aumento, potencialmente mais elevado, das perdas financeiras para os investidores em Portugal “e que existam riscos sérios para uma eficiente convergência da supervisão na União Europeia, duas consequências que a CMVM não deseja”, diz o regulador.

“Os dados recolhidos e analisados pela ESMA podem ser vistos como uma indicação das perdas potenciais para os investidores não profissionais num cenário em que Portugal não adotasse as medidas propostas pela ESMA e em que houvesse a migração dessa oferta para Portugal”, conclui.

Isto é a CMVM explica que se não adoptasse a proposta da ESMA isso poderia trazer perdas potenciais devido a estar criado um contexto  de existência de oportunidades de arbitragem regulatória com efeitos potencialmente nocivos para os investidores não profissionais.

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