(Uma forma de reinvenção de Murakami)
“Escutem: não existe uma guerra que acabe com todas as guerras”.
Na segunda feira passada, a CNN Portugal apresentou-se formalmente, sob o lema de que existe uma guerra pela informação, com Judite de Sousa no comando e Rendeiro como estrela principal, numa entrevista que nos foi servida às postas e sem grande fio condutor entre os trechos.
No que se reporta ao novo canal de notícias, ao contrário do que nos tem sido dito pelos pretensos opinion makers, parece-me que se terá de deixar assentar a poeira e a máquina ficar bem oleada, desde logo porque ter como principal destaque dar espaço de antena a uma alma que paira – não se sabe exactamente por onde – nada nos diz sobre os seus méritos.
Não obstante, o rescaldo da primeira noite e os comentários que li não podem deixar de me merecer duas reflexões, com objectos completamente diferentes.
De um lado, parece-me inaceitável que, quando se inicia um projecto televisivo que, goste-se ou não, deve ter as notícias como eixo principal, pessoas que se dizem esclarecidas gastem tempo a comentar penteados alheios. Sinto-me à-vontade para escrever, uma vez que não conheço Judite de Sousa e não tenho qualquer simpatia especial pela mesma, não podendo deixar de referir que me parece inaceitável que se centrem os comentários na cor que escolheu para ter no cabelo. Judite não era o cerne da questão e, mesmo que o fosse, haveria seguramente aspectos mais relevantes em que centrar a atenção do que a forma como se apresentou.
A verdade é que a dita opinião pública, mesmo no feminino, é sempre muito mais cruel para as mulheres do que para os homens, demonstrando-se por esta via que o machismo não acabou, antes se tendo tornado mais subtil, sendo, muitas vezes, perpetuado por tão arreigadas quanto distraídas defensoras dos direitos das mulheres. Aliás, esta forma de assédio não é diferente do que se veio a verificar serem as reacções à mudança de empregadora de outra jornalista, de seu nome Sandra Felgueiras. Novamente, conhecendo de forma superficial a profissional em questão, o que li, imputando-lhe a culpa por actos alegadamente praticados por familiares é inaceitável.
Entendamo-nos de uma vez: uma coisa é termos o direito a ser informados, outra podermos formular a nossa opinião e, ainda outra, achar que, atrás de um teclado, podemos assumir as vestes não de cidadãos informados mas de justiceiros e debitar toda a sorte de ofensas. O que li a propósito de ambas não define qualquer das visadas mas diz muitíssimo de um povo, tão rápido no gatilho e especialmente cruel no que se reporta a mulheres quanto ineficaz a identificar os verdadeiros problemas e a resolvê-los.
Por outro lado, para além da curiosidade mórbida que desperta um ser que anda, confessadamente, a gozar com um sistema, não vi ninguém assumir que a grande abertura da CNN pouco ou nada tinha de verdadeira informação. Já todos (ou quase todos…) conseguimos perceber que aquele senhor anda a brincar com o sistema e, com uma única excepção, daqueles minutos não resultou qualquer novidade. Excepto a desfaçatez de um tipo que está casado há mais de 40 anos e se permite afirmar que nem que a mulher seja presa, a mesma que segundo ele é inocente, volta.
Quase todos os filhos da mãe se pautam por ser generosos com as pessoas de quem gostam. Rendeiro parece ser igual a eles: protege-se apenas a si mesmo. Se tal não era absolutamente óbvio até agora, no rigor, não me parece que tenha importância para abrir um canal televisivo. A não ser, claro, que o que se vise seja um Big Brother gigante em que mudam as personagens.
Se se confirmar ser esse o caso, fica a declaração de terem perdido uma potencial espectadora: não alinho em conversas de cabeleireiro e penso que devemos remeter Rendeiro para o papel que mais lhe desgosta: o do caixote do lixo da história. Aparentemente, é aquele com que tem mais dificuldade em lidar e, muitas vezes, o silêncio é a arma mais temível.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.