Ao longo dos últimos anos, as dificuldades no alojamento para estudantes do Ensino Superior têm sido um tema sucessivamente presente na agenda pública, mobilizando representantes dos estudantes, Serviços de Ação Social, Instituições de Ensino Superior, vários municípios e diferentes atores e agentes políticos. Os preços proibitivos do alojamento estudantil são hoje, sem sombra de dúvida, o principal entrave à frequência do ensino superior.
A apresentação do Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), em 2018, teve como objetivo estabelecer a resposta pública à necessidade de aumento do número de camas disponíveis para estudantes. No entanto, nem as dificuldades se começaram a sentir em 2018, nem a resposta tem sido eficaz. Pouco ou nada se avançou nesta matéria.
Como é evidente e tal como falei no meu último artigo aqui no Jornal Económico, a crise no setor da habitação é motivada por diversos fatores, que impactam também no acesso a alojamento por parte de estudantes.
Entre os vários fatores, encontramos os preços elevados, especialmente nas maiores cidades, o que dificulta o acesso à habitação em geral e, consequentemente, o arrendamento de quartos por parte de estudantes; as condições precárias do edificado, pois muitos fogos habitacionais são antigos, encontram-se em más condições, têm baixa eficiência energética e baixo conforto térmico, representando riscos para a segurança e para a saúde dos seus ocupantes; a especulação imobiliária, responsável por aumentos sucessivos e crescentes nos preços da habitação, dificultando ainda mais o acesso, quer para famílias, quer para estudantes; a escassez de habitação, um dos fatores mais importantes, resultante da crise que afetou o setor da construção na década passada e que se traduziu, desde então, num menor número de empresas a operar no setor e, consequentemente, no abrandamento da construção de novos fogos; a dificuldade de comprovar despesas com arrendamento, de imóveis ou quartos, devido à forte expressão do mercado de arrendamento paralelo, o que prejudica o acesso a subvenções, complementos e outros apoios; e o crescimento do Turismo e do setor do Alojamento Local, que em determinadas cidades contribuiu para uma migração da oferta de habitação de longo prazo para alojamento temporário, provocando, consequentemente, uma menor disponibilidade de fogos e quartos no mercado de arrendamento.
O mercado de arrendamento privado, que ao longo de muitos anos foi a solução viável para os estudantes do Ensino Superior, tornou-se cada vez mais inacessível. E, por isso, foi-se tornando cada vez mais evidente a necessidade de aumentar a capacidade de alojamento em residências estudantis públicas, algo negligenciado por Governos e IES ao longo das últimas décadas, tendo sido o alojamento estudantil completamente entregue à sorte e aos ditames da mão invisível do mercado.
Aquando da apresentação do PNAES, a oferta de camas existente na globalidade das IES nacionais era de cerca de 15 mil camas, o que se traduzia numa cobertura de 9%, relativamente aos mais de 175 mil estudantes deslocados inscritos no Ensino Superior no ano letivo 2018/2019. No entanto, desde então, o número total de inscritos no Ensino Superior já aumentou 16%, de cerca de 372 mil, para mais de 433 mil estudantes.
E, ainda que tenha sido assumido o compromisso de aumentar a capacidade em mais 15 mil camas até 2026, e alcançado o número de 30 mil camas disponíveis, o certo é que a capacidade total de camas em residências do Ensino Superior Público é, atualmente, inferior a 16 mil camas.
Desde 2021, apenas foram concluídas 1124 novas camas em residências do Ensino Superior Público, muito aquém das necessidades e das promessas. As camas têm de estar concluídas até 2026 sob pena de se perder o financiamento do PRR e já são várias as Instituições a desistir de avançar com projetos por temerem terem de assumir sozinhas o investimento, quando tal deveria estar intrinsecamente relacionado com a sua atuação na ação social direta.
Relativamente à oferta privada, se consultados os dados publicados mensalmente pelo Observatório para o Alojamento Estudantil, em agosto de 2024, estima-se a existência de apenas 5666 quartos disponíveis no país, com um preço médio de 397 euros. No Porto há 1600 camas em residências públicas e 750 novas camas no mercado privado a um preço médio de 387 euros.
Para combater o problema há três linhas de intervenção necessárias e urgentes: combater o mercado paralelo, subsidiar especificamente a procura e aumentar substancialmente a oferta. Atente-se: a linha de financiamento de 7,5 milhões de euros para as Instituições de Ensino Superior contratualizarem camas com o setor privado, social e cooperativo; o protocolo de 709 camas com as pousadas de juventude e o apoio ao alojamento de 50% do valor do complemento para estudantes de classe média não bolseiros são medidas positivas do Governo, mas têm de ser encaradas como medidas de emergência!
A resposta estrutural passa por aumentar significativamente a oferta e para isso é preciso mais investimento público e responsabilizar as Instituições de Ensino Superior pela capacidade de executar os investimentos necessários, a tempo e horas, garantindo que não vamos desperdiçar as preciosas verbas do PRR alocadas à resolução desta temática.