A EDP Renováveis (EDPR) vai decidir até ao final deste ano se vai avançar com a construção de duas centrais eólicas numa região da Colômbia onde as comunidades indígenas têm contestado vários projetos.
A companhia foi uma das vencedoras do leilão organizado em 2019 pelo Governo e prevê a construção das centrais Alpha (212 MW) e Beta (280 MW) em La Guajira.
“O Governo tem-nos apoiado no licenciamento ambiental. Não vamos avançar se o projeto não for viável economicamente. Queremos certificar-nos que temos bons retornos, que justifiquem o projeto. Vamos tomar uma decisão, num sentido ou noutro”, disse o presidente executivo da EDPR Miguel Stilwell d’Andrade na sexta-feira na call com analistas.
O gestor garantiu que a decisão será tomada ainda este ano e que a empresa está aberta a “explorar parcerias” com empresas locais e internacionais para minimizar o risco.
No primeiro semestre deste ano, a empresa assumiu custos de 34 milhões de euros relacionados com o país.
“Vamos tomar uma decisão muito racional sobre isto. Se não for economicamente viável… precisamos de ter claridade”, acrescentou.
Quando questionado sobre se iria tomar a sua decisão, tendo em vista o futuro leilão eólico offshore no país, para manter a boa vontade (goodwill) do executivo face à empresa, o gestor diz que vão analisar cada projeto a seu tempo. “Vamos prestar um bom serviço aos nossos acionistas, à nossa empresa. Uma decisão racional. O offshore ainda parece estar muito longe. Não vai ser um factor para tomar uma decisão”.
Questionada pelo JE, fonte oficial acrescentou: “A EDP continua a trabalhar no sentido de obter a licença ambiental necessária para a construção de Alpha & Beta e continuará a avaliar as condições financeiras e operacionais em torno deste projeto”.
Os projetos estão previstos para La Guajira, o departamento mais a norte da Colômbia. É uma região seca e árida, e é o segundo departamento mais pobre da Colômbia, mas tem uma grande mais-valia: virado para o mar das Caraíbas, o vento sopra ali duas vezes mais forte face à média global, e sem obstáculos naturais que impeçam a circulação do vento.
Com 17 projetos de energias renováveis em desenvolvimento na região, este número pode aumentar para 31 centrais eólicas a entrarem em operação nos próximos no médio prazo, e mais de 40 centrais a operar até 2034.
Neste departamento, vivem mais de 480 mil indígenas Wayuu, pesando mais de 46% na sua população. É um pouco mais pequeno que os distritos de Évora, Beja e Portalegre em conjunto. Tem havido vários protestos na região contra os projetos.
O responsável da EDPR no país revelou em maio que a empresa “teve dificuldades com uma comunidade, que construiu um muro. Com o apoio da governação de La Guajira e do ministério de Minas e Energia conseguimos um diálogo e que a própria comunidade o desmontasse. Estes são temas que demoram tempo, mas conseguimos superar a dificuldade”, disse Felipe de Gamboa ao jornal colombiano “Portafolio”. A expetativa era que as centrais entrassem em operação no primeiro semestre de 2027. O investimento ascendia então aos 500 milhões de dólares, faltando ainda 30%, adiantou.
O problema do atraso teve outras implicações, pois a empresa fechou contratos PPA com vários entidades. Com os atrasos, a companhia teve de compensar as entidades, mas conseguiu renegociar 70% dos contratos, prevendo entregar a energia somente a partir do primeiro semestre de 2027, segundo o balanço feito pelo country manager em maio.
Felipe de Gamboa previu que a empresa obtenha a licença ambiental em novembro de 2024, e explicou os sobrecustos gerados: “Dois anos com as turbinas guardadas, pagando espaço para as guardar; ter vigilância e logística para as equipas, como no caso da subestação que está pronta”.
Depois de um primeiro chumbo da avaliação ambiental pelas autoridades em novembro de 2022, a empresa decidiu alargar a área dos projetos para 250 mil hectares, evitando a concentração de aerogeradores. O chumbo teve lugar depois de as concluírem que a empresa tinha falhado em identificar potenciais impactos em cada uma das áreas, incluindo acesso rodoviário, e falhou em demarcar apropriadamente zonas protegidas, escreveu a “Reuters” em 2023.
A EDP descreve a relação que mantém com as comunidades indígenas nos locais de implementação do projeto. “A área de influência dos projetos Alpha & Beta engloba 113 comunidades, com as quais se estabeleceu uma relação no âmbito do processo de consulta prévia – estipulado na constituição colombiana – para aferir as medidas de compensação necessárias e procurar soluções com base no diálogo. Este processo é acompanhado pelo Governo e há uma equipa dedicada da EDP para o relacionamento com estas comunidades, que ao longo dos últimos anos já implementou diversas medidas de impacto social, com um investimento de cerca de 2,5 milhões de euros”.
“Até ao momento já foram executados mais de 100 projetos comunitários que beneficiaram mais de 830 famílias e que passam pela construção e reparação de habitações, construção de infraestruturas para educação, para saneamento e transporte de água e por medidas de apoio à atividade agrícola. Há também iniciativas ambientais em curso, que incluem a plantação de mais de 990.000 árvores, o que permitirá captar cerca de 25.000 toneladas de emissões de CO2 por ano”, disse fonte oficial da EDP quando questionada pelo JE.
Um relatório de 2023 da ONG sueca Stockholm Environment Institute descreve que “como em muitas partes do mundo, a implementação de projetos eólicos em La Guaira enfrenta problemas de aceitação social por receios com justiça, equidade, normas culturais e a distribuição de benefícios. Isto levou a bloqueios e protestos, gerando atrasos e até causando a suspensão da construção de algumas centrais”. Entre as suas sugestões, encontrava-se a melhoria nos processos de consulta pública, uma melhor atenção aos impactos e aos afetados, um papel imparcial por parte do Governo nacional e regional ou a revisão dos papéis dos conselheiros das comunidades.
Colômbia é um ‘El Dorado’ para as renováveis, mas há obstáculos
O investimento nas energias renováveis este ano no país sul-americano pode atingir 2,2 mil milhões de dólares com 66 projetos prestes a entrar em produção ou que aguardam licenciamento, segundo dados da associação setorial SER Colombia, citados pela “Reuters”.
O presidente Gustavo Petro lançou um ambicioso plano de energias renováveis para reduzir a dependência dos país dos combustíveis fósseis.
Mas a contestação popular levou os italianos da Enel a suspenderem indefinidamente o projeto Windpeshi (200 MW), enquanto a Celsia, empresa colombiana, contemplava a venda de dois dos seus projetos em La Guajira.
“Estes são projetos que estão a ser feitos nas costas da comunidade. Autoridades, políticos e empresários sentam-se a negociar, não os donos ancestrais das terras”, disse à “Reuters” Jose Silva, diretor da Nacion Wayuu, um grupo que reúne 600 líderes desta comunidade.
Uma antiga ministra da Energia do atual Governo, Irene Velez, disse que os leilões tiveram uma premissa errada ao não prever compensações adequadas para as comunidades.
“Desde o início que insisti que as dificuldades dos projetos não eram técnicas, mas sociais. Os leilões para as licenças de construção não consideraram a distribuição adequada de benefícios para as comunidades locais que pensam que estes projetos têm a mesma dinâmica explorativa do antigo modelo [extrativista] e não veem benefícios. É claro que se opõe a eles”, afirmou Irene Velez ao “Guardian” este ano.
O Governo de Petro tentou por água na fervura e aumentou de 1% para 6% a compensação financeira sobre as receitas dos projetos em prol das comunidades.
A SER Colombia criticou o aumento das compensações, considerando que tem impactos nos leilões realizados pelo Governo, apontando para os dois cancelamentos e indicando que existem outros seis que estão nos “cuidados intensivos”, disse Alexandra Hernandez, presidente da SER, à publicação “Energia Estratégica” em abril.
Mas o licenciamento não é fácil. Um relatório da SER Colombia apontava que um pequeno projeto renovável tinha de esperar entre três a seis anos para entrar em operação, com a maioria do tempo investido a tratar de 15 processos administrativos, defendendo um licenciamento mais ágil.
Numa carta escrita pela EDP a responsáveis do Governo no final de 2023, a empresa defendeu mudanças no licenciamento: “É necessário fortalecer, desde o ponto de vista regulamentar, as normas que existem na atualidade para o licenciamento deste tipo de projetos; regulamentação que naturalmente deve ser diferenciada em relação a projetos de energias não renováveis”, segundo a missiva noticiada pela “Reuters” e pelo “El Espectador”.
A relação com as comunidades locais tem sido crucial nos projetos de transição energética por toda o continente americano: no Chile e no México, as comunidades indígenas estão a contestar projetos de lítio e de energias renováveis, respetivamente, segundo a “Reuters”.
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