Lembro-me que cheguei tarde ao WhatsApp, não foi uma aplicação que acompanhei desde o início. O seu uso começou por ser do foro pessoal, limitado a familiares e amigos, mas, ao longo dos anos, começou a infiltrar-se em todas as áreas. As chamadas internacionais sem custos tornaram o WhatsApp muito popular entre a família, especialmente entre imigrantes.
Mas estava longe de se limitar a fins recreativos. A facilidade com que o WhatsApp permite criar grupos de pessoas e comunicar nesses grupos, rapidamente permitiu o seu crescimento de forma exponencial.
Passámos a ter gradualmente grupos de tudo e mais alguma coisa: grupos de trabalho, grupos de família, grupos de amigos, grupos de colegas, grupos de projetos, grupos de pais, grupos de mães, grupos de vizinhos, grupos de aniversário, grupos de despedidas de solteiro, grupos de casamentos, de batizados, de vendas online, de partilhas de memes, grupos políticos, e por aí fora, até ao infinito. Em suma, o WhatsApp tornou-se uma extensa lista de grupos em que a nossa vida está segmentada. Diz-me em que grupos WhatsApp estás e dir-te-ei quem és.
Hoje, a nossa dependência profissional e pessoal do WhatsApp é monstruosa, ultrapassando mesmo a dependência das redes sociais. A aplicação é usada em mais de 180 países, por cerca de dois mil milhões de pessoas. Não há linhas vermelhas entre os fins recreativos e fins profissionais. O facto de estarmos quase sempre atentos à aplicação leva-nos a ser inundados por uma constante barreira de mensagens de pessoas que esperam um retorno quase imediato, a qualquer hora do dia.
Não me lembro do exato momento em que normalizámos esse hábito. Não me lembro da facilidade com que todas as nossas tarefas de trabalho e comunicação passaram a estar tão dependentes dessa plataforma, exigindo um ritmo mais intenso que permita acompanhar esta época de informação voraz.
Desde que acordamos até que adormecemos, estamos sincronizados com as mensagens de WhatsApp de uma forma absolutamente grotesca. É uma cascata de mensagens que nos assola e à qual temos de dar resposta, mesmo quando não temos as respostas à mão. De certo modo, estar presente no WhatsApp tornou-se uma forma de trabalhar, tanto quanto as reuniões online em trabalho remoto. Além disso, alterou a nossa forma de comunicar, tornando-a menos formal e mais imediata, dispensando muitas vezes o email (mesmo quando insistimos em usar o email).
No entanto, o lado negro existe. É apontada como uma das ferramentas responsáveis por maior propagação de desinformação, pela rapidez de partilha de mensagens. Está vulnerável a esquemas de phishing e hacking. E há ainda as implicações de estarmos tão dependentes de uma aplicação detida pelo Facebook, que traz à luz imensos problemas de privacidade e segurança. Já experimentei outras aplicações open-source mais seguras, como o Signal, e o facto de não facilitarem a partilha torna-as muitas vezes inconvenientes.
Curiosamente, ninguém parece estranhar a nossa dependência do WhatsApp. A mim basta-me imaginar um dia inteiro afastada dessa aplicação para ter uma sensação de caos a invadir a minha vida, especialmente quando temos muitas pessoas dependentes das nossas respostas. Se por um lado nos permite poupar tempo, por outro também consome o nosso tempo, muitas vezes à custa de mal-entendidos.
Em suma, ajuda tanto quanto desajuda. Nós é que não contribuímos para o nosso bem-estar sempre que enterramos a cabeça nesse poço sem fundo que é o WhatsApp.