“Com o teu amo não jogues as pêras” é um aforismo popular do tempo dos amos e servos, dos senhores e criados… Que tem conhecidas versões no século XXI, “Quem paga manda”, ou o “bom aluno”, etc. Expressões de uma cultura de subserviência. Uma cultura de classe, que as classes dominantes procuram infiltrar até ao tutano nas classes dominadas. Grande parte do charivari em torno da Autoeuropa é uma clara manifestação dessa “cultura”! De quem não tem espinha, ou a tem tão gelatinosa como a lesma…
Botou sentença Markus Kemper, empresário e presidente da Câmara de Comércio Luso-Alemã: “se outros investidores industriais internacionais em Portugal começarem a associar o país a problemas laborais e a falta de competitividade, poderemos ser rapidamente confrontados com deslocalizações ou investimentos noutros países” (Expresso, 27JAN18). Mas então só agora, com a luta na Autoeuropa, é que nasceram “problemas laborais” no país? Até hoje, as “mais de 400 empresas alemãs em Portugal”, que refere, nunca deram por lutas dos trabalhadores portugueses? Ridículo! “Falta de competitividade”? Só se for falta de salários idênticos aos dos trabalhadores alemães (mais de 2000 euros ganham os da VW de Wolfsbourg!) com produtividades idênticas às dos trabalhadores portugueses. Tartufices de um capitalista alemão! Mas compreende-se, defende o capital alemão.
O que não se compreende nem aceita, é a cultura de servidão, reverenciadora e obrigada, de tanta opinião, que pensa (?) que não pode haver “agitação laboral”, “instabilidade laboral”, falta de “paz social”, etc., senão os alemães vão-se embora, e é o fim do mundo! Extraordinário… Aparentemente, aceitam a luta, os direitos, as organizações – CT e sindicatos – dos trabalhadores… mas depois consideram que lutas, greves, e até mesmo as negociações, só nas empresas de capital português. Ou então nas de capital estrangeiro, mas tão pequeninas, tão pequeninas (aí uns 0,000000000… do PIB), que podem ir-se embora sem causar danos.
Os argumentos são de arrepiar. Fiquemos pelas “deslocalizações” e o exemplo da Opel de Azambuja. A deslocalização da Opel, em 2006. Não é por repetir uma mentira muitas vezes que ela passa a verdade. Mas continua a correr a mentira. Por muitos outros e outras, a jornalista do Diário de Notícias Joana Petiz, “Sim, a Autoeuropa devia pôr os olhos na Azambuja” (DN, 18JAN18). E, satisfeita, lá despacha o chorrilho, insistindo na mentira – ver desmentido: João Silva, sindicalista da Fiequimetal/CGTP, DN 24JAN18.
A chantagem da deslocalização. Qual é a justificação dessa gente para as dezenas de deslocalizações acontecidas? Foi a agitação laboral que empurrou para fora do país, entre muitas outras, a Ford, a Quimonda, a Lear, a Johnson Control, a Texas Intrument, a Delphi da Guarda e Ponte de Sor, a Renault, a Indelma/Alcoa, a Euronadel, a Bombardier, etc.? Foi? E já agora, expliquem como é que apesar de todas as lutas dos trabalhadores portugueses, incluindo greves gerais, ao longo de quatro décadas, o capital estrangeiro, continuou a vir parquear/pastar no país? Veio fazer turismo?
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.