Portugal tem que voltar a encontrar o caminho para crescer de forma sólida e sustentável. E para o fazer necessita de ultrapassar o imobilismo em que parece ter caído durante quase uma década, e entender que a possibilidade de utilizar os apoios europeus de transformação económica, para se reinventar economicamente, é uma oportunidade que não pode ser desperdiçada nos próximos anos.

Se o país fizer o que deve de ser feito, poderá construir esperança numa vida melhor para milhões de portugueses, sobretudo para os jovens, que enfrentam, muitos deles, os desafios de uma década perdida. Este é o tempo de fazer pelo futuro e de reconquistar o país para uma agenda de crescimento e competitividade.

Portugal tem vivido uma ilusão pós-troika que não pode continuar no pós-Covid

A realidade é dura, mas deve ser encarada. Portugal não cresce, nem cria riqueza que não seja de forma artificial desde há muito tempo. É por isso que cada vez mais está a ficar na cauda do pelotão europeu, aumentando a divergência para as médias europeias, sendo ultrapassado por muitas economias que entraram depois de nós, como Malta, República Checa, Estónia ou Lituânia.

Apesar da propaganda do milagre, a convergência do nível de vida dos portugueses com a média europeia estagnou desde 1995, e Portugal caiu cinco lugares em termos de PIB per capita, de 16º para 21º entre os 27 países da União Europeia.

Outra ilusão tem sido o alegado sucesso do pós-troika. O fim da austeridade é uma obra essencialmente de cosmética orçamental, em que os portugueses pagam cada vez mais (a carga fiscal atingiu 35%, o máximo de sempre, em 2020), mas são os mais prejudicados quando é necessário receber apoios do Estado.

A evidência maior desta enorme ilusão, é o facto de Portugal ter sido o país da União Europeu com a terceira pior resposta orçamental para fazer face à Covid , com cerca de 3,9% do PIB, apesar de ser um dos países que mais tributa, e de ser uma das economias mais afetadas e expostas a um dos sectores (o Turismo) que vai levar mais tempo a recuperar.

A agenda política tem prevalecido sobre o interesse nacional, e o BCE tem ajudado

Portugal tem que ultrapassar o ciclo desta ilusão de milagre económico, uma narrativa de agenda política construída sobre uma combinação extraordinária de taxas de juro baixas, estímulos do Banco Central Europeu (BCE) e crescimento pouco sustentado em sectores cíclicos como o Turismo.

No debate que tive a oportunidade de moderar na semana passada, o Prof. António Nogueira Leite salientou na sua intervenção (aceder aqui) que o saldo estrutural do défice não conheceu nenhuma evolução desde 2015, apesar das mediatizadas melhorias do défice geral, e que as condições monetárias (juros baixos e estímulos BCE) originaram ganhos de capital para o acionista Estado.

No mesmo excerto, deixou também críticas aos responsáveis europeus, que “da mesma forma que fizeram em 2008, 2009 e 2010, estiveram a aplaudir políticas como se fossem de progresso enorme, quando no fundo, não há progresso nenhum”. Ou seja, a evidência é a crise, o trabalho de casa foi uma cosmética que Bruxelas aceitou. Por fim, conclui que “países como Portugal têm, no imediato e apesar dos apoios europeus, uma capacidade de apoio através do seu orçamento, às famílias e empresas muito mais curto do que era necessário, e isto traduz um não-progresso das condições orçamentais do país, ao longo de um período onde aparentemente as coisas corriam muito bem.”

Portugal novamente na linha de tiro, ou a nadar sem calções…

Ou seja, voltamos a estar novamente numa potencial linha de tiro para ficarmos numa posição muito preocupante num ciclo pós-pandemia. A ex-ministra das Finanças, Maria Luís Albuquerque, no debate do Orange Lab da semana passada, citou o “oráculo de Omaha”, Warren Buffet, para descrever o momento atual: “é quando a maré baixa que se vê quem estava a nadar sem calções, e mais uma vez a maré baixou, e nós (Estado português) estávamos outra vez a nadar sem calções”.

Na sua intervenção (ver aqui), Maria Luís Albuquerque considerou que, de facto, “tivemos uma situação orçamental com melhor aspeto, mas isso, na verdade, não representou uma evolução mais consolidada, mais sustentável, ou mais resiliente da nossa economia, e que é daí que decorre a dificuldade de o Estado poder dar uma resposta mais robusta, ao nível do que estão a fazer os governos de outros países parceiros europeus”.

Perdemos a oportunidade de reformar e investir desde 2015 em várias frentes, como é o caso do SNS, em prol de rapidamente distribuir rendimentos e reverter reformas. Em conclusão, a ex-ministra salientou que “este caminho não só não trouxe competitividade, como nos deixou mais mal preparados para atacar esta crise do que estávamos em 2011.”

A situação atual é frágil e devemos ser rigorosos com a aplicação das ajudas

O caminho que Portugal tem percorrido desde 2015, foi possível nas costas de uma conjuntura europeia e internacional benigna e com taxas de juro muito baixas. Mas estas condições monetárias, este manto protetor do BCE não vai durar eternamente. Embora não se vislumbre para já uma subida de taxas, não é difícil de imaginar o que poderá acontecer se, nos próximos anos – com os estímulos europeus a entrarem em força –, as taxas de juro ou prémios de risco das obrigações portuguesas subirem, ainda que de forma moderada.

De acordo com o Prof. António Nogueira Leite (ver aqui), “uma subida para 2% das taxas de juro, que seria um nível historicamente baixo, traria problemas significativos no saldo global do Estado.” Também os bancos não deverão conseguir ter um papel mais interventivo, alimentando crédito na economia portuguesa. E acrescenta (ver aqui), “o fim das moratórias pode originar um impacte importante no capital dos bancos. No caso de Portugal, o malparado vai aumentar, os apoios públicos estão muito limitados e as restrições na concessão de crédito vão ser elevadas, porque os bancos vão ter muito cuidado a gerir o seu balanço”.

Por essa razão é importante que, à semelhança do que tem sido exigido para a distribuição das vacinas, que a logística de distribuição das verbas dos fundos e ajudas europeias seja abrangente (chegue a todos), rápida e, sobretudo, através de um processo transparente, que crie confiança entre os portugueses.

Muito dependerá, c0ntudo, da forma como vai evoluir o processo de controlo do vírus. Neste ponto, Maria Luís Albuquerque concluiu (ver aqui) que “se não conseguirmos ultrapassar a crise sanitária tão rápido como gostaríamos que acontecesse, se a recessão for mais profunda do que aquilo que já estamos a temer, pode não haver condições políticas ao nível europeu para fazer um controlo com rigor”.

Uma situação sem dúvida perigosa para Portugal, que não pode falhar, de forma a colocar a economia nacional num patamar diferente na próxima década.

‘Bottoms’ up’: ignorar as balas de prata, menos impostos e proteger a criação de valor

Portugal tem que mudar de vida. Tem que pensar mais no que pode fazer por si e combater o imobilismo, tomar conta do seu próprio destino e passar a pensar no que pode deixar para as próximas gerações como legado, para além de um enorme saco de dívidas. A esperança deve assentar em reformar para sermos mais competitivos, e utilizar esta oportunidade de transformação europeia – que é única e pode moldar o nosso futuro durante décadas. Esperar que o BCE perdoe a dívida (ver aqui) que tem vindo a comprar é uma bala de prata complexa que não deve ser parte da nossa estratégia, é mais uma ilusão que alimenta imobilismo e usa energias que podem ser melhor aproveitadas.

Outro erro assenta na permanente discussão sobre impostos europeus e burocracias. Precisamos de eliminar esta carga fiscal e burocrática (ver aqui), e criar um clima de proteção da criação de valor, ao invés de criar um clima de receio tributário. Em Portugal tem que se começar a discutir valor e riqueza, e se isso correr bem, então teremos as condições para distribuir e manter um estado com capacidade de resposta social.