Num memorando de 15 páginas, publicado esta quarta-feira, a comissária para os Direitos Humanos do Conselho da Europa, Dunja Mijatović, apela às autoridades portuguesas que reforcem a estratégia de combate ao aumento do racismo no país, assim como na prevenção e combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica.
Devido em três pontos — racismo e discriminação; quadro jurídico e institucional do combate ao racismo e à discriminação e racismo nas polícias — o documento assinado pela comissária “manifesta preocupação quanto ao aumento do número de crimes de ódio com motivação racial e do discurso de ódio”, mas também da discriminação, especialmente contra ciganos, afrodescendentes e “pessoas percecionadas como estrangeiras em Portugal”, sendo a existência de racismo nas polícias um fenómeno “particularmente preocupante”.
Já em matéria de violência de género, abordado em dois pontos — quadro institucional e desenvolvimentos recente e desafios específicos relacionados com a prevenção e combate à violência contra mulheres e à violência doméstica — a responsável “saúda o empenho de longa data das autoridades portuguesas em eliminar a violência doméstica”, porém, ressalva que “os níveis de violência contra mulheres continuam extremamente elevados em Portugal”.
Racismo na polícia continua a suscitar “profunda preocupação”
Em matéria de descriminação racial, Mijatović recomenda a implementação de um plano de ação abrangente contra o racismo e a discriminação, exortando as autoridades a condenar firme e publicamente todas as manifestações de discurso do ódio ao mesmo tempo que insta vivamente os políticos para que se abstenham de utilizar ou tolerar retórica racista. Para tal, pede que as ONG antirracismo sejam chamadas a colaborar na elaboração de estratégias.
São também necessários esforços complementares para debelar os preconceitos racistas contra as pessoas de ascendência africana, herdados do passado colonial e do tempo da escravatura. “É importante tomar consciência das estruturas historicamente repressivas do colonialismo, dos preconceitos racistas entranhados na sociedade e das suas ramificações até aos nossos dias”, afirma a comissária, sublinhando que os currículos escolares podem contribuir em muito para esta consciencialização.
A comissária insta ainda os líderes políticos portugueses “a não tolerar nem recorrer a retórica racista”, pois, caso contrário, contribuem para a “trivialização e normalização” do discurso de ódio racista na sociedade portuguesa.
Já quanto ao racismo nas forças de segurança, continua a suscitar profunda preocupação.
“As autoridades portuguesas devem aplicar uma política de tolerância zero para com qualquer manifestação de racismo por parte da polícia”, adverte. Nesta matéria, as recomendações passam pela melhoria da formação dos agentes em matéria de direitos humanos, bem como dos procedimentos de recrutamento e dos critérios de seleção, para que os grupos minoritários estejam mais representados entre os efetivos, a todos os níveis hierárquicos. A comissária recomenda ainda a criação de um mecanismo independente para examinar todas as queixas relacionadas com maus-tratos imputados à polícia.
Não obstante, a responsável “saúda os passos substanciais dados nos últimos anos” no sentido de melhorar o quadro jurídico e institucional de combate à discriminação e convida as autoridades portuguesas a prosseguir os seus esforços com vista a garantir que a legislação civil, administrativa e penal respeita plenamente as recomendações da Comissão Europeia contra o Racismo e Intolerância (ECRI, sigla em inglês).
Comissária assinala “níveis persistentemente baixos de condenações por violência doméstica”
No mesmo documento, a comissária relembra que “Portugal continua a registar elevados níveis de violência doméstica e de violência contra mulheres”: em 2020, 26 mulheres morreram em contexto de violência doméstica, 27 em 2019, 15 em 2018 e em 2017, 35.
E embora as autoridades tenham estado “há anos” a desempenhar um “forte empenho na erradicação da violência doméstica”, tendo por isso congratulado os feitos e os esforços feitos até então, a violência contra as mulheres continua a ser um fenómeno que regista níveis alarmantes em Portugal.
A comissária considera, por isso, essencial dar passos adicionais em matéria de desconstrução de mentalidades e sensibilização da sociedade para o facto de a violência contra as mulheres, nomeadamente a violência doméstica, constituir uma violação grave dos direitos humanos.
A comissária apela às autoridades para que tomem medidas que assegurem que os crimes de violência doméstica e os crimes sexuais, incluindo a violação, sejam devidamente investigados e punidos e que as penas sejam proporcionais à gravidade desses crimes, ou seja, suficientemente dissuasoras. Neste sentido, a comissária recomenda que as autoridades voltem a alterar a definição de violação que consta do Código Penal, assegurando que ela se baseia por completo na ausência de livre consentimento da vítima.
Entre as recomendações, surge ainda o alerta para a necessidade de formação neste âmbito aos magistrados e de todos os que oferecem serviços de apoio às mulheres vítimas de violência.
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