Comme chez soi é um restaurante no coração de Bruxelas que representa a forte herança da gastronomia belga, herdeira dos tempos áureos em que as cidades flamengas eram propriedade do duque da Borgonha e necessitavam de oferecer bom vinho e boa comida para poderem receber os privilégios da Corte.
Na verdade, esta tradição continua presente nos dias que correm, com a exceção dos restaurantes do Parlamento Europeu, onde a simpatia dos empregados é grande, mas o sabor é, digamos, muito pequeno.
Inicio este artigo com um apontamento gastronómico única e exclusivamente porque a campanha contra os artigos que propõem as embalagens multiusos de comida saiu derrotada no passado dia 22 de novembro na votação do relatório sobre embalagens e resíduos de embalagens.
Tendo em conta que a próxima batalha será no Conselho Europeu, os ativistas do ambiente já começaram a preparar a guerra e acusaram os malandros “lóbistas” de tudo fazerem para alterar a normalidade dos acontecimentos e permitir o uso abusivo de embalagens descartáveis da chamada fast food – e não o multiuso democrático e moderno de quem alegadamente se “preocupa” com o meio ambiente. Durante a campanha, estes ativistas tiveram o apoio de alguns deputados que se mostraram indignados com a intensa operação de lóbi que a “indústria” promoveu.
O debate e a questão da transparência dos grupos de interesses e a sua relação com os decisores políticos está na ordem do dia em Portugal, onde não existe legislação sobre este tema. Por outro lado, é preciso notar que os chamados “grupos de interesse” são todos aqueles que têm um interesse sobre qualquer tipo de legislação que esteja a ser discutida.
Neste sentido, uma organização não governamental (ONG) ou uma empresa cotada em bolsa encontram-se exatamente no mesmo plano. Ou seja, a lei é igual quer para a Igreja Católica, quer para a UNRWA (United Nations Relief and Works Agency for Palestine Refugees in the Near East), a McDonald’s ou a Greenpeace. O acesso aos decisores políticos tem de ser transparente.
No entanto, admitimos que um decisor político que tenha uma determinada experiência possa debater o assunto de forma mais reservada. Por exemplo, um político que vai à missa ao domingo talvez encontre um lobista na Igreja e possa debater com ele o assunto – ou, como é o caso do atual deputado francês liberal, Pascal Canfin, presidente da Comissão Ambiental no Parlamento Europeu, relacionar-se com os antigos colegas da WWF (World Wildlife Fund) e do Partido os Verdes.
A dificuldade em contrariar esta realidade, leva a que o regime de transparência da União Europeia obrigue à divulgação das reuniões no interior das instituições europeias, o que leva os eurodeputados a reunirem-se com centenas de grupos de interesse com opiniões muito divergentes relativamente aos relatórios em discussão.
O que o actual regime não consegue resolver em termos de transparência é a capacidade de certas consultoras, como a britânica Eunomia, conseguirem ter como clientes, em simultâneo, a Comissão Europeia e uma Organização Não Governamental (ONG) denominada Zerowaste, que é a favor do uso único de embalagens de fast food.
Em resumo, o que pretendo defender é que o debate da transparência dos interesses deve abranger todos os atores, mas, por questões ideológicas, tem apenas como objetivo atacar os grandes interesses económicos, deixando à deriva e em livre navegação um conjunto de outros agentes políticos e económicos que mantêm uma influência ideológica nefasta nos assuntos e nas leis da União Europeia.
A legislação da transparência quer que o decisor político oiça todos os grupos de interesse e depois tome uma decisão em consciência. Esta forma de ver o lóbi é distorcida e falsa, porque exclui automaticamente um conjunto de outras considerações que muitas vezes escapam ao grande público: desde os grupos e partidos políticos, aos interesses dos eurodeputados em termos de negociação ou às posições dos eleitorados nacionais.
Por outro lado, é importante que a imprensa também apresente o outro lado das questões, o chamado contraditório. Ou seja, pode ser tão nefasto um político representar a indústria como uma ONG, uma vez que estas também vivem de subsídios e de donativos. Em suma, nesta história não há inocentes.
Concluindo, tendo participado na grande vitória contra as embalagens multiuso, vi e li com uma certa alegria, a raiva com que os nossos adversários tentam prolongar na imprensa, europeia e nacional, uma batalha que lhes custou muito perder em pontos chave, uma vez que o relatório, em si mesmo, foi amplamente positivo para os zelotas do clima. Mas a nossa vitória merece uma ida ao Comme chez soi.