A maioria dos leitores deste jornal, imagino, não terá visto The Lobster, de Yorgos Lanthimos. Não perderam grande coisa. O filme, sobre uma sociedade em que qualquer pessoa solteira é obrigada a ir para um hotel em que terá algumas semanas para encontrar um parceiro, caso contrário será transformada num animal à sua escolha, embora bem filmado, é excessivamente pretensioso e (pelo menos para mim) cínico, e chega mesmo a roçar o mau. Dito isto, algumas das cenas até têm graça. Numa delas, a gerente do tal hotel anuncia a um jovem casal recém-formado que caso encontrem problemas que não consigam resolver sozinhos, lhes será entregue uma criança: “isso costuma ajudar” diz ela, estando a piada, obviamente, no facto de todos saberem que um filho, por muito desejado que seja, coloca sempre novos e complicados desafios a uma relação amorosa.

Todos? Não. Um conjunto de irredutíveis políticos resiste ainda e sempre à evidência, e a vida não é fácil para quem procure olhar para a realidade dos seus países com um mínimo de bom senso. Na passada semana, no jornal italiano La Stampa, um conjunto de deputados dos parlamentos francês, italiano, luxemburguês e alemão escreveu um artigo em que declaravam ser necessário “um pacto” para “uma União federal” como forma de salvar a “Europa” das dificuldades que hoje a atormentam. Segundo eles, a União Europeia e o “projecto” que lhe subjaz estão hoje “em risco” devido a uma ameaça de “movimentos populistas, nacionalistas e até xenófobos” que se aproveitam do descontentamento das populações nacionais. Mas, argumentam, a “Europa” não se deve deixar “paralisar pelo medo” ou por “preocupações com as eleições que se avizinham em países-membros”, antes devendo “concentrar-se no crescimento e no emprego” e “ter a coragem de partilhar soberania em muitos sectores em que a acção individual dos Estados é agora totalmente ineficiente e condenada ao fracasso: do aquecimento global às políticas energéticas, dos mercados financeiros às regras de imigração, da evasão fiscal ao combate ao terrorismo”.

A preocupação dos autores do artigo é meritória, e qualquer pessoa (como eu) que reconheça como a União Europeia contribui para que as nossas vidas sejam um bocadinho melhores do que seriam se, por exemplo, não houvesse Mercado Comum ou se os políticos portugueses pudessem pôr e dispor das impressoras do Banco de Portugal, olhará com receio para o futuro da União Europeia. No entanto, o passo que propõem para ultrapassar essa crise seria o método mais rápido e seguro de tornar real o perigo que desejam evitar: uma “integração política mais estreita” só poderia resultar no agravamento do sentimento anti-UE nos países que a compõem.

Numa altura em que o aventureirismo integracionista levou já a que os vários eleitorados nacionais culpem os seus vizinhos pelo seu particular infortúnio – em que nos países ricos os eleitores se chateiam por ter de pagar a “preguiça” e indisciplina orçamental dos pobres, e em que nestes últimos se culpam os ricos pela “austeridade” que o seu “egoísmo” impõe – e se virem em cada vez maior número para partidos populistas que prometem atirar o bebé com a água do banho, caminhar para uma maior federalização apenas faria com que esses eleitorados tivessem cada vez menos capacidade de decidir sobre os seus destinos, culpando cada vez mais “a Europa” por tudo o que lhes desagrade, e tornando os partidos que contra ela se revoltem cada vez mais atraentes. Como os autores do artigo do La Stampa, também a mim assusta o fogo que arde pela Europa. Ao contrário deles, não me parece que atirar gasolina para cima dele seja uma boa ajuda.

O autor escreve segundo a antiga ortografia.