A pergunta tem seguramente motivado longos e acalorados debates em muitas chancelarias europeias, e as respostas não são consensuais. São muitas as interrogações, mas as respostas resumem-se basicamente a duas modalidades de ação genéricas: ou a União Europeia (UE) escolhe a via da confrontação com Beijing, e integra a frente anti China liderada pelos EUA, ou opta por uma via negocial com uma agenda própria.
Os sinais emitidos por Bruxelas e algumas capitais europeias sobre esta matéria têm sido contraditórios. Se, por um lado, há quem alinhe com Washington no coro de críticas à China pela forma como lidou com o problema do coronavírus e clame pela relocalização de empresas e produção, por outro, há quem defenda posições menos confrontacionais, e porventura, menos alinhadas com as dos EUA.
O discurso do Alto Representante da União Europeia Josep Borrel, no dia 25 de maio, na conferência de embaixadores alemães ilustra o segundo caso. Dois aspetos desse discurso merecem ser destacados. Em primeiro lugar, Borrel reconhece a crescente importância da Ásia em termos económicos, securitários e tecnológicos, o fim de um sistema liderado pelos EUA, e a chegada do século asiático. Segundo Borrel, “isto está a acontecer diante dos nossos olhos”.
Implícito nesta constatação está o reconhecimento de que o Ocidente se tem de começar a habituar à ideia de não poder mais definir unilateralmente e nos seus próprios termos e interesses a agenda global, como o fez ao longo de séculos de dominação política, económica e militar. Existem novos dados na equação do poder onde se incluem atores recém-chegados, que têm de ser tidos em consideração.
Em segundo lugar, Borrel reconheceu que a pandemia causada pelo coronavírus poderia ser o catalisador de uma mudança de poder do Ocidente para o Oriente, e que a “pressão para [a UE] escolher lados está a aumentar”, acrescentando que a União “devia seguir os seus próprios interesses e valores, e evitar ser instrumentalizada por um ou por outro lado”.
Também aqui há uma mensagem implícita. O facto da UE e dos EUA serem parceiros estratégicos, não significa que os seus interesses coincidam sempre. Os adversários dos EUA não são necessariamente adversários da UE. A União deve ter a sua agenda e trabalhar com as outras potências de acordo com as suas conveniências. Como escreveu Biscop, “a vantagem desse reposicionamento permite à UE defender melhor seus próprios interesses enquanto desempenha simultaneamente um papel estabilizador nas grandes relações de poder”.
É importante tentar perceber o que ia na cabeça de Borrel quando fez aquelas afirmações. Contudo, o que disse inspira confiança. As relações entre a UE e a China devem basear-se na verdade, transparência e reciprocidade, o que segundo ele só seria possível “se lidarmos [UE] com a China com uma disciplina coletiva”. No fundamental, o discurso de Borrel representa um compromisso lúcido e pragmático. O que é bom. A China é um parceiro estratégico, competidor económico e rival sistémico, tudo ao mesmo tempo, e continuará a sê-lo.
Assim, fará mais sentido um relacionamento com Beijing assente numa estratégia que aposte na reciprocidade e firmeza negocial, do que numa estratégia confrontacional. A oportunidade para isso acontecer existirá na próxima cimeira UE-China a realizar este outono.