Há nove anos, lembro-me da aflição que todos sentimos na empresa em que trabalhava ao sermos informados que tínhamos sofrido danos colaterais consideráveis com a queda do BES em 2014. Mas foi só em 2015 que sentimos esse impacto financeiro.

Ao longo desse ano fomos forçados a muitos apertos de cinto até a empresa estabilizar após o rombo, mas deixou um sentimento de trauma e impotência entre chefias e trabalhadores. Não se pode sequer dizer que houve uma culpa que pudesse ser atribuída. Houve, sim, excessiva confiança na robustez de uma instituição financeira, quando, afinal, tudo se revelara uma farsa. Ainda assim, nós fomos os sortudos. Muitos outros viram as suas empresas ou vidas completamente destruídas.

Agora, que começa o julgamento do caso BES, o olhar centra-se na figura débil de Ricardo Salgado, que sofre de demência. Salgado e outros arguidos são chamados a responder por associação criminosa, corrupção, burla e branqueamento, entre outros crimes, que levaram ao colapso da maior instituição financeira à época e à perda catastrófica de milhões, forçando o Estado a um bailout oneroso.

Hoje, os bancos, os seus reguladores e supervisores garantem-nos que houve reformas e que existe um controlo mais apertado, impedindo que o mesmo volte a suceder. Alguém acredita verdadeiramente nisso depois da forma escandalosa como Ricardo Salgado manipulou tudo e todos?

Deu-se uma quebra irreparável de confiança, que ainda custou mais a sanar face à lentidão da justiça. O julgamento só começou volvidos dez anos. E a figura que representa tudo o que estava errado em Portugal é, hoje, um homem envelhecido, demente, com a sua reputação em cacos.

Como é que tantos permitiram que se tornasse o “dono disto tudo” (DDT)? Falamos de uma figura com imenso comando e autoridade, pela qual políticos e financeiros se deixavam embevecer. O nível de ignorância, parolice e cegueira entre as elites era tal que DDT escapou a todos os reguladores e supervisores. Portugal seguiu em frente e adaptou-se a novas realidades. Os bancos dizem-nos que estão mais sólidos (uma expressão que se tornou infame), mas e todos aqueles que viram as suas vidas irremediavelmente alteradas?

A impunidade dos infratores levou à ascensão do populismo, precipitando um circo perigoso montado por inúmeros populistas. E, para mal dos nossos pecados, é precisamente esse circo que tem dominado o panorama nacional nos últimos anos.