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Na gestão das empresas do Estado, “cada país tem os seus esqueletos”, diz especialista

Stilpon Nestor, perito em ‘corporate governance’, explicou ao JE que se estão a criar as condições para separar os interesses do poder político da gestão de uma empresa detida ou controlada pelo Estado. Na sucessão nas empresas familiares recomenda a criação de um conselho de supervisão.
5 Junho 2019, 07h45

Nas empresas controladas pelo Estado ou nas quais este detém algum controlo, o especialista em corporate governance, Stilpon Nestor disse ao Jornal Económico que a tendência de governo societária é a de caminhar para a separação entre o interesse do poder político e a gestão técnica da empresa.

Em Portugal, o governo interno das sociedades tem ocupado um lugar central na praça pública desde que o relatório elaborado pela consultora EY da auditoria que fez à gestão da Caixa Geral de Depósitos (CGD), entre 2000 e 2015, foi tornado público.

Em 186 operações de crédito, a EY disse que o banco do Estado perdeu mais 1,6 mil milhões de euros. Muitos ex-administradores da CGD já passaram pelo escrutínio dos deputados ao abrigo da Comissão de Inquérito Parlamentar à Recapitalização da CGD e à Gestão do banco, que questionaram diversas personalidades ligadas à Caixa sobre sobre operações de crédito e, também, sobre a estrutura de governo que regia os vários departamentos da instituição bancária.

Foi o caso de antigos presidentes executivos do banco do Estado, Carlos Santos Ferreira, ou Fernando Faria de Oliveira (atual presidente da Associação Portuguesa de Bancos),  ou gestores como Carlos Costa (governador do Banco de Portugal) ou António Tomás Correia (presidente da Associação Mutualista Montepio Geral, dona do Banco Montepio.

Independentemente do que tenha ocorrido nestas operações ruinosas, Stilpon Nestor explicou, sem se dirigir ao caso específico da CGD, que “o governo interno das sociedades está a mudar, no sentido de se criar um espaço entre a natureza política e a tomada de decisão técnica por parte da equipa de gestão”.

Nestor, depois chefiar a equipa da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) responsável pela elaboração dos Princípios de Governo das Sociedades, fundou a Nestor Advisors, uma empresa especializada em prestar serviços de consultoria sobre corporate governance aos quadros mais altos de grandes empresas, desde bancos de investimentos a grandes empresas familiares e até ao Banco Mundial.

Profundo conhecedor das tensões que existem entre o poder púbico dentre de uma organização na qual o Estado tem influência, Stilpon Nestor explicou ao JE que se está a criar “uma estrutura de agência entre o Executivo (poder político) e a própria empresa, que nomeia os administradores” para funções muito específicas. “Nos últimos anos”, garantiu, “tem sido um grande negócio incutir a separação entre, por um lado, o lado político e, por outro, o negócio”. “Em relação aos pecados do passado, penso que cada país tem os seus esqueletos”, assumiu, explicando que o problema não é inteiramente português.

A solução passa por “colocar as pessoas nos conselhos de administração e assegurar que são responsáveis pelas estratégias que são delineadas”, vincou o consultor, à margem da conferência anual da Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários, que se realizou na sexta-feira, 31 de maio.

A sucessão é um elemento crítico das empresas familiares

Desengane-se quem pensar que o governo interno das sociedades só é importante para as grandes cotadas. Embora tenham obrigações de transparência impostas pela regulação, que, por sua vez, implicam mais mecanismos de corporate governance, Stilpon Nestor garantiu que as empresas familiares também se “devem preocupar com o seu governo interno”.

O especialista defendeu que se trata de um imperativo quando estas empresas familiares procuram financiamento externo. “À medida que se tornam grandes e se não têm reservas para financiar o crescimento, precisam de obter financiamento externo. Dantes os bancos só olhavam para os números, mas hoje em dia já não é assim”, garantiu.

Além de ajudar na obtenção de financiamento externo, o governo interno das sociedades familiares assegura a continuação da criação de valor no longo-prazo – o mesmo se aplica às sociedades de capital aberto, com a diferença que o centro de decisão não assenta numa decisão familiar.

Pense-se, por exemplo, na Exor, da família Agnelli, de Turim, e da qual o chairman é John Elkan, o sucessor de Gianni Agnelli para presidir ao império industrial italiano, que controla a Fiat, a Juventus ou a Ferrari.

“A sucessão está intimamente ligada com a forma como uma empresa familiar é governada”, explicou o perito. “Muitas vezes, é necessário que se crie ou se potencie o conselho de fiscalização de forma a regular a sucessão”, salientou Stilpon Nestor.

 

https://jornaleconomico.pt/noticias/estado-ignorou-alertas-de-risco-de-fraude-na-cgd-durante-sete-anos-405711

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