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Como os turistas estão a ir à carteira dos portugueses

O boom de visitantes estrangeiros anima a economia mas também provoca subidas de preços que os vencimentos dos portugueses não acompanham. A discrepância entre crescimento de salários e inflação ainda não é preocupante, mas os orçamentos e as poupanças familiares podem ser penalizados este ano.
7 Fevereiro 2018, 06h50

Quem percorre os centros das principais cidades do país já se apercebeu que o boom de turistas não está apenas a afetar o mercado habitacional. Muitos estabelecimentos comerciais têm produtos – e preços – especialmente dirigidos para turistas. Só nos hotéis e nos restaurantes, os preços subiram 3,7% no último ano, de acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), e a moderação salarial que o país ainda regista torna difícil acompanhar estas subidas.
Durante anos, a inflação foi o menor dos problemas económicos do país. Portugal, como a Europa, viveu com oscilações de preços marginais ou até negativas, reflexo de uma economia deprimida. Agora, embora a inflação ainda esteja longe da meta de 2% definida pelo BCE, a recuperação económica está a provocar aumentos de preços que têm algum efeito na carteira dos portugueses, segundo os últimos dados do INE.

O organismo indicou que a inflação ficou em 1,4% no ano passado. Foi a primeira vez em cinco anos que a barreira simbólica de 1% foi ultrapassada, e um olhar mais fino sobre os dados do INE mostra que uma parte da pressão se deveu ao fenómeno do turismo.

O Jornal Económico calculou a variação de preços anual para os mais de 150 produtos e serviços para os quais o instituto de estatística disponibiliza índices. A subida mais expressiva deu-se na rubrica dos serviços de alojamento, com um encarecimento anual de quase 12%, reflexo da procura externa dirigida à economia nacional. Os pacotes de férias ficaram 8% mais caros.

Estes aumentos somam-se a outros que, não estando relacionados com o turismo, têm reflexo nas compras diárias das famílias. Os sumos aumentaram 11% e os combustíveis 9%, segundo os cálculos do Jornal Económico. Claro que a inflação é uma média, e para que o valor anual tenha ficado em 1,4%, houve outros produtos cujos preços desceram – foi o caso do vestuário e de muitos aparelhos eletrónicos.

Mas, depois do regresso a uma inflação mais “normal” em 2017, é provável que o ritmo acelere este ano. “Prevemos uma inflação média de 1,7% para 2018, um pouco acima do consenso e das previsões do Banco de Portugal e do registado no ano passado”, adianta ao Jornal Económico Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros.

Esta previsão tem como cenário de base a continuação do crescimento em Portugal, “ainda que um pouco mais lento”, bem como do bom momento económico na zona euro. “À medida que o desemprego continua a cair, é de esperar uma leve pressão em alta nos preços, no que também deverá contribuir a disseminação dos efeitos da subida dos preços do petróleo e combustíveis. O turismo e a imigração deverão continuar a crescer, puxando pelos preços em 2018”, continua o economista.

A aceleração dos preços coincide com o primeiro ano em que as famílias não vão beneficiar de um aumento generalizado do rendimento disponível por via fiscal. No ano passado, a sobretaxa de IRS foi eliminada para todos os contribuintes e, este ano, apesar de as mudanças neste imposto levarem a uma maior progressividade e redução da carga fiscal para muitas famílias, esse efeito não vai sentir-se de forma imediata, só nos reembolsos de 2019.
A nível de juros dos empréstimos, a bonança do ano passado também não deve voltar. “Em 2017 muitas famílias ainda beneficiaram de um ligeiro aumento do rendimento disponível através da descida das taxas de juro do crédito à habitação, o que não deverá repetir-se este ano”, explica Filipe Garcia.

Os funcionários públicos, que tiveram uma reposição de salários no primeiro ano de mandato do Governo, não tiveram qualquer atualização salarial no ano passado ou este ano. No setor privado, embora haja mais emprego, os novos postos de trabalho estão a ser criados com remunerações mais baixas.

Quer tudo isto dizer que as famílias vão perder poder de compra em termos reais, devido a uma subida da inflação acima dos salários? Eduardo Silva, gestor da XTB, desvaloriza esse cenário. “O factor cambial pode atenuar esse impacto, que seria sempre mínimo”, diz o economista, lembrando que “na fase expansionista da política monetária o poder de compra real é sempre beneficiado”, por via da redução das taxas de juro.

Caso houvesse incrementos quer de salários quer da inflação, isso sim seria mais penalizador do poder de compra, já que levaria a uma subida dos juros do BCE e por essa via dos empréstimos das famílias. “Os valores atuais de inflação relativamente ao crescimento de salários não representam uma discrepância que deva ser considerada um fator de preocupação”, sustenta.

Contudo, isto não quer dizer que as famílias portuguesas não tenham de adaptar-se a uma economia com um peso crescente de estrangeiros com mais poder de compra. Como frisa Filipe Garcia, além dos turistas há um outro fenómeno crescente que está a ter efeitos nos preços: o da chegada de imigrantes. “Este fluxo migratório é um pouco diferente do habitual, chegando a Portugal cidadãos de países europeus e da América Latina para gozar a reforma ou, sobretudo no caso de cidadãos provenientes do Brasil e Venezuela, para desenvolver carreira mas que já têm algum conforto material inicial. Este fenómeno, a par do turismo, poderá levar a uma subida mais sustentada nos preços ao consumo, nomeadamente no comércio e serviços, bem como na habitação”. Essa subida de preços poderá assim provocar uma maior segmentação no consumo. “É provável que haja um mercado de bens e, sobretudo serviços, com caraterísticas e preços mais direcionados ao turismo e outro ligado ao resto da população”.

Por outro lado, lembra o economista, a inflação tem também efeitos em quem tem poupanças nos bancos: o dinheiro aplicado em depósitos vai ter mais um ano de perda real porque as taxas de juro continuarão abaixo da inflação. “Os aforradores terão de investir noutros produtos além dos depósitos se pretenderem não ter uma perda real dos valores das poupanças em 2018”, alerta.

Artigo publicado na edição digital do Jornal Económico. Assine aqui para ter acesso aos nossos conteúdos em primeira mão

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