Nesta altura do campeonato, estamos já saturados de ler em cada linha que a situação que vivemos é dramática, tanto a nível social como económico. Estamos, certamente, já fartos que nos digam o que não podemos fazer e quais as novas obrigações a que estamos sujeitos. Assim, e porque não se vive só de más notícias, importa que as empresas estejam cientes que podem encontrar, no regime jurídico da concorrência, algum amparo na resposta a esta situação de crise.
Não sendo, decerto, a primeira área de preocupação das empresas perante a pandemia, o direito da concorrência poderá significar uma ajuda na sua resposta face à crise. Não quer isto dizer que as regras da concorrência não continuam a ser válidas, aplicáveis e investigadas pelas autoridades nacionais, não estando as empresas dispensadas do seu cumprimento ou “autorizadas” a celebrar acordos que sejam susceptíveis de restringir a concorrência.
No entanto, um estado de excepção como o que vivemos traz consigo alterações a vários regimes legais. No caso das regras da concorrência, as excepções poderão ser, nesta fase, mais intensificadas do que em clima de normalidade.
À partida, uma crise económica, por si só, não justifica a existência de comportamentos anti-concorrenciais por parte das empresas. Contudo, o impacto específico desta pandemia no funcionamento da economia e, consequentemente, na vida das empresas, levou a Comissão Europeia, a par de várias autoridades nacionais da concorrência – como a portuguesa –, a pronunciar-se sobre o tema.
Não descurando os princípios gerais do direito da concorrência que não permitem qualquer tipo de cooperação entre concorrentes que restrinja a concorrência no mercado, essas autoridades estabeleceram, no seguimento do anúncio publicado pela ECN (European Competition Network), que apesar de se manterem comprometidas e continuamente atentas aos comportamentos das empresas, poderão ser admitidas algumas formas de cooperação que se mostrem necessárias para, durante este período de crise, assegurar, por exemplo, a continuidade dos fornecimentos de bens e serviços.
A lei prevê que determinados acordos entre concorrentes são considerados, independentemente dos seus efeitos, uma restrição à concorrência e são, por isso, proibidos, tais como a repartição de mercados ou a troca de informação sensível entre concorrentes. No entanto, não é de agora o entendimento de que ganhos de eficiência podem advir de uma cooperação entre empresas para proteger interesses legítimos como, por exemplo, a saúde pública e a necessidade de abastecimento perante constrangimentos logísticos ou na cadeia de produção.
Assim há, com especial importância no contexto em que vivemos actualmente, formas de cooperação entre empresas que são permitidas e aceitáveis à luz do direito da concorrência. Para que tais formas de cooperação sejam permitidas, é necessário que as mesmas sejam legítimas e pró-concorrenciais, não indo para além do estritamente necessário para atingirem o benefício legítimo que procuram e em prol dos interesses do consumidor.
Neste contexto, e tendo em conta que estas práticas devem ser analisadas caso-a-caso, e tomadas no contexto de um período crítico, práticas como acordos logísticos que apoiem e melhorem os canais de distribuição e assegurem a continuidade de fornecimentos de bens e serviços, demonstrando claros ganhos de eficiência, bem como a troca de informações estritamente necessárias para que se concretizem estes acordos de forma eficaz, podem ser consideradas pró-concorrenciais.
A nível internacional temos já vários casos exemplificativos desta flexibilização das normas da concorrência, nomeadamente, e entre muitos exemplos, no Reino Unido foi suspensa, parcial e temporariamente, a aplicação das regras de concorrência ao sector do retalho alimentar para assegurar “que retalhistas possam trabalhar conjuntamente com o objectivo de assegurar o abastecimento da população”; na Noruega, foi suspensa, durante três meses, a aplicação do Direito da Concorrência a duas companhias aéreas, permitindo-lhes coordenar o período de voos e serviços mínimos; e na Austrália foi autorizada, enquanto medida provisória, sujeita a revisão posterior, a cooperação entre concorrentes para a assegurar a oferta de bens e serviços essenciais, incluindo restrições na oferta para assegurar acesso equitativo, nos sectores retalhistas, banca e produtores de equipamentos médicos.
A par da flexibilização das normas da concorrência que aqui testemunhamos, as empresas e associações deverão manter uma preocupação activa relativamente à conformidade da sua actuação com estas normas e cada caso deverá ser analisado individualmente.
Deve ser realizada uma análise de risco cuidadosa e previamente a ser implementada qualquer forma de cooperação com um concorrente ou um parceiro de negócio, sob pena de infracção grave às normas, da qual poderão advir consequências muito pesadas a nível reputacional e financeiro.
A autora escreve de acordo com a antiga ortografia.