Paisagens imensas, jogos de espelhos, milhares de bouquets de flores, cadeiras e poltronas, cigarros, muitos cigarros, humor em doses generosas e, claro, cor. Muita cor. E o próprio artista. Omnipresente? Quase. Muitas vezes. Não poderia ser de outra maneira. Dúvidas? O néon cor de rosa logo à entrada dissipará as que possam persistir. “Lembrem-se que eles não podem cancelar a primavera”. Eis o statement que David Hockney escolheu para dar o tom à exposição David Hockney 25 – Do remember they can’t cancel the spring. E se ‘eles’ não podem cancelar a primavera, muito menos poderão cancelar o verão, que se anuncia escaldante, no ano em que o artista plástico britânico celebra 88 anos e 70 de carreira.
Esta é a maior exposição individual dedicada àquele que será, talvez, o pintor em atividade com maior reconhecimento mundial. E que é, sem sombra de dúvidas, um dos artistas mais influentes dos séculos XX e XXI. Por isso, não estranhe se sentir que Hockney está em todo o lado, até porque ele é, simultaneamente, o tema, o artífice, o pensador, o arquiteto, deus criador deste périplo que se espraia por 12 galerias da Fondation Louis Vuitton, em Paris.
O edifício desenhado pelo seu amigo Frank Ghery acolhe, até 31 de agosto, a maior retrospetiva que alguma vez lhe foi dedicada. São mais de 400 obras, testemunhos do vasto leque de técnicas usadas pelo pintor — incluindo pintura a óleo e acrílico, desenho a tinta, lápis e carvão, arte digital, com obras feitas no iPhone e iPad, desenhos fotográficos, etc. — que vão de 1955 a 2025, embora o foco aponte em especial para a produção mais recente, i.e., para os últimos 25 anos.
O prazer de captar a beleza das coisas simples
A curadoria tem a assinatura de Norman Rosenthal, ex-diretor da Royal Academy, em Londres, e obedece às escolhas e instruções do artista, que participou em todos os momentos desta exposição, desde a escolha das obras à composição de cada sequência, da cor de fundo à finalização expositiva — uma missão que levou a cabo com a ajuda de Jonathan Wilkinson, seu assistente, e de Jean-Pierre Gonçalves de Lima, seu companheiro e gestor de estúdio.
David Hockney 25 celebra a joie de vivre do artista e convida os visitantes a entrarem no seu universo, na comunidade que acarinhou e pintou ao longo do tempo, a deixarem-se levar pela beleza das coisas simples, seja a luz que emana de um simples jarro de flores, sejam os esgares tragicómicos com que nos brinda em alguns dos seus autorretratos. Sorridente, trocista, mordaz, Hockney acompanha-nos em todas as salas. Desde a primeiríssima, com o emblemático Portrait of An Artist (Pool with Two Figures), de 1972 — quadro que, em novembro de 2018, foi vendido por 90 milhões de dólares (cerca de 80 milhões de euros), um recorde —, às diferentes séries de retratos e autorretratos. Aliás, Hockney é um dos artistas mais prolíficos e consistentes nesta matéria. Só entre 2013 e 2016, criou uma série de 82 retratos e uma natureza morta, todos pintados em poucos dias e expostos na Royal Academy em Londres. No que toca aos autorretratos, serão umas largas dezenas, a maior parte pintados nas últimas décadas.
A juventude dos 87 anos
David Hockney nasceu em 1937 na cidade operária de Bradford, no Norte de Inglaterra. Estudou no Royal College of Art, em Londres, ficando para sempre ligado à fundação da Arte Pop britânica. Em 1964, mudou-se para Los Angeles, onde as suas famosas piscinas, retratos duplos e paisagens de grande escala — será blasfémia dizer na senda dos grandes paisagistas ingleses, como Constable e Turner? — o tornaram famoso.
No regresso à Europa, passou a dividir o seu tempo entre Yorkshire, Londres e Normandia, e redescobriu o prazer de pintar ao ar livre a mudança das estações, a explosão da primavera e a serenidade do inverno. Que nos interpela, por exemplo, em Bigger Trees Near Warter or/ou Peinture sur le Motif pour le Nouvel Âge Post-Photographique, 2007, uma pintura a óleo em tamanho real que cobre 50 telas, dividida em dois painéis gigantescos, e que por isso é imersiva. Sentimo-nos literalmente no meio das árvores.
E se a paisagem nos soa a um certo academismo, seria perigoso pensar que Hockney a ele tivesse sucumbido. Longe disso. Com a pandemia e os amigos fechados nas suas respetivas casas, em diferentes urbes, ele que desfrutava do exterior e dos prodígios da natureza, pegou num iPad e começou por desenhar junquilhos, que enviou aos amigos com a frase que agora serve de enquadramento à exposição: “Lembrem-se que eles não podem cancelar a primavera”.
Se há momentos em que nos apetece sentar, ou mesmo deitar, na relva esplendorosa de muitas das suas telas, na última sala, é a música que nos invade o corpo e a mente. Tristão e Isolda de Wagner. La Bohème e Turandot de Puccini. The Rake’s Progress de Stravinsky. A Flauta Encantada de Mozart. Diz Hockney que a ópera é “bigger than life” e que precisamos de mais ópera nas nossas vidas. Como discordar dele?
“David Hockney 25” | Até 31 de agosto | Fondation Louis Vuitton, Paris
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