A palavra norueguesa hygge não tem tradução para outras línguas. Foi popularizada pelos dinamarqueses a partir do século XVIII para identificar um determinado tipo de bem-estar. Qualquer que seja o espaço, o tempo e o clima, os escandinavos são os mais felizes do mundo graças ao hygge.

O termo é frequentemente traduzido para inglês como cosiness ou togetherness (“aconchego”), mas a verdade é que os dinamarqueses dizem que não há uma tradução literal, o que torna impossível explicar exatamente o que hygge significa. O termo serve para, por exemplo, promover o design, a arquitetura e o mobiliário escandinavo. E a verdade é que o hygge se sente nas casas e mesmo nos espaços públicos escandinavos.

Recentemente, entrou no vocabulário internacional uma outra palavra escandinava – lagom. Significa em vocabulário corrente sueco qualquer coisa como “basta” ou “é suficiente”, ou ainda “é a quantidade certa ou justa”. Tal como hygge, a expressão lagom inspira a recordação de algumas das muitas máximas do Oráculo de Delfos: nada em excesso, pratica o que é justo, pratica a harmonia, reza pela felicidade, e ainda, literalmente, vive em meigo aconchego (o que supõe que existe uma boa tradução de hygge para grego).

Há dias, o responsável de uma empresa estrangeira que se estabeleceu neste “território” (é assim que eles nos designam) explicou de modo muito simples a um grupo de estrangeiros quais as vantagens de investir em Portugal. Disse ele: “Portugal é porreiro”. Não sei se os estrangeiros terão percebido, mas nós percebemos o que ele queria dizer. Portugal oferece uma ótima relação custo-benefício aos investidores estrangeiros: salários relativamente baixos, alta qualidade do nosso melhor ativo (as pessoas) e a melhor qualidade de vida do mundo (segundo os expats).

A partir do momento em que ouvi um investidor descrever Portugal como porreiro pensei que tinha chegado a hora de promovermos a nossa palavra no mercado internacional dos conceitos de vida. Apesar de porreiro ser de uso coloquial e popular, creio que a palavra tem hipóteses de adoção internacional para designar uma determinada atitude e comportamento. E tem a característica de não ser um conceito ibérico. É exclusivamente português. O problema é que, tal como hygge, não tem tradução fácil, o que afinal até poderá ser uma vantagem.

“Portugal não é low cost mas sim best cost”, disse Christian Santos, utilizando as palavras inglesas, ao jornal Les Échos. Santos é diretor da fábrica da Mecachrome, um grupo francês especializado em mecânica de alta precisão para a aeronáutica, instalada em Évora. É uma outra maneira de dizer que somos porreiros, porque trabalhamos bem e barato, e neste caso não apenas no custo-benefício mas também na cultura. Santos acrescentou: “Há também uma grande proximidade geográfica e cultural [com França] que torna a colaboração mais fácil que na Polónia ou na Turquia”.

A opção por Portugal em detrimento de países de leste é notável. Provavelmente porque não são porreiros. A empresa alemã Devexperts, multinacional com sede em Munique, do setor de software financeiro, escolheu o Porto para instalar um centro de investigação e desenvolvimento em detrimento da República Checa e da Hungria, geograficamente mais próximos. Os fatores que pesaram na decisão foram a proximidade à academia, a formação da força de trabalho, a capacidade de inovação e a internacionalizaçao do tecido empresarial. Há, claro, outros fatores que pesam na decisão de investir em Portugal, como a qualidade das infraestruturas e a estabilidade social, diz o presidente da AICEP.

Há que assumir que somos porreiros. Proponho um grande esforço nacional para promover o uso internacional desta palavra portuguesa. Trata-se de um adjetivo com um significado idêntico a saudade, de difícil tradução e cujo sentido profundo só os portugueses perceberão. Não é great nem cool, não é nice nem wosh. Os franceses talvez traduzam por super, mas também não é apenas isso. Os dicionários portugueses referem que a palavra significa “afável, simples, prestativo, bonito, lindo”. Poder-se-ia acrescentar o significado “ser de confiança”. De facto, parece ser tudo isso, tudo coisas boas ou quase boas em uma palavra apenas, mas tal como hygge ou lagom, porreiro é mais que um adjetivo. É um conceito cultural português.

Todavia, ao contrário daquelas palavras nórdicas, porreiro pode ter conotações menos positivas ou francamente negativas, como quando significa complacência e condescendência com a incompetência, a corrupção, o atropelo da lei, sem que isso cause clamor e condenação pública, porque nos costumes é vulgar considerar-se que, apesar de ser incompetente ou malfeitor, ele até é “um gajo porreiro”. É nesse sentido que se utiliza o termo “porreirismo nacional”, um mau costume a banir, também porque é prejudicial para a carga positiva de porreiro.

Mas o certo é que o lado positivo do conceito pode ter, e tem certamente, um valor patrimonial importante, que é transmitido a toda hora pelos portugueses nas suas relações com milhões de estrangeiros – aqueles que nos visitam e que ficam com uma boa impressão, ainda que superficial, dos portugueses, mas sobretudo aqueles que connosco privam durante meses ou anos porque optaram por viver e trabalhar em Portugal. Segundo o ranking Expat Insider 2017, Portugal é número um em simpatia (92%) e na atitude acolhedora dos residentes estrangeiros (94%). Para 88% é fácil estabelecer-se no país e para 89% é fácil a adaptação à cultura local. Não há mais porreiro.

De certo modo, porreiro também nos recorda outras máximas do Oráculo de Delfos: usa o que tens, sê amigo dos teus amigos, sê prestável em tudo, sê gentil com todos, atua quando sabes, reza pelo que é possível.