Defendi há 15 dias nesta coluna a recomendação da OCDE para que Portugal ponha em prática uma estratégia nacional clara, abrangente e partilhada, capaz de orientar as decisões das instituições de ensino. Em geral, considera-se que uma das condições básicas para o desenvolvimento de clusters industriais implica a existência e ligação das indústrias de uma região a uma universidade. O exemplo clássico é Silicon Valley, que tem no centro a Universidade de Stanford e não longe a de Berkeley. Muitas cidades têm em anos recentes ativamente copiado aquele modelo, como Nova Iorque, Londres ou Tel Aviv.

Mas há outra relação de Stanford com um agente exterior de fundamental importância e que está na base da transformação daquela região num dos líderes tecnológicos mundiais. Trata-se da relação da universidade com o departamento de Defesa dos EUA, nascida após a Segunda Guerra Mundial por ação de Frederick Terman, antigo professor da Universidade de Harvard.

Terman transformou parte das instalações da universdade de Stanford num parque industrial, onde se instalaram empresas como Hewlet-Packard, GE e Kodak, e persuadiu o governo a atribuir contratos de investigação e desenvolvimento tecnológico à universidade. Mais tarde, em 1966, Terman teve um papel central no estabelecimento do Korea Advanced Institute of Science, conhecido por KAIST. Lembrar-se-ão os leitores mais atentos que tenho várias vezes referido o exemplo da Coreia. Ora qui está mais uma explicação para o seu sucesso.

Num curso de empreendedorismo da própria universidade de Stanford, a interação com a indústria, financiamento de investigação e desenvolvimento pelo Departamento de Estado e a proximidade de Silicon Valley iniciavam a lista de vantagens do cluster. Seguiam-se os estudantes como inventores, disseminadores e força de trabalho, uma pool de talento e de redes sociais, e o empreendedorismo que é encorajado pela universidade. A lealdade à tecnologia, mas com grande abertura de espírito, é referida como vantagem, assim como o ambiente multicultural (a importância da imigração) e a cultura de job hopping.

O apreço pela tecnologia revela-se pela existência de muitos early adopters de tecnologias, o que ajuda a rapidamente expandir as novidades. A região dispõe de uma infraestrutura de serviços com muitos fornecedores (contabilistas, advogados, etc.) e de uma indústria de capital de risco e angel investors. O espírito do “West” faz-se ainda sentir no ADN que informa o espírito empreendedor e a própria universidade tem entre os seus alumni muitos role models. Diz-se que é OK falhar e tentar novamente, que as estruturas organizacionais são horizontais e que impera a meritocracia. O ambiente legal é flexível: as cláusulas de não-concorrência nos contratos de trabalho (após seu termo) não são em geral cumpridas nem contestadas judicialmente, e é tolerado que se discutam desafios comuns mesmo com concorrentes.

Trata-se de um quadrado que tem nos seus vértices a universidade, o governo, a indústria e a finança. Este quadrado virtuoso funciona em alguns países na Europa, mas não em Portugal, onde os silos mentais, burocráticos e políticos impedem ou dificultam fluxos de conhecimento, de pessoas, de iniciativa e de capital.

Nuno Boavida, Subdiretor do Observatório de Avaliação de Tecnologia e investigador do CICS.NOVA, disse numa entrevista à GPS – no âmbito de um projeto da Fundação Francisco Manuel dos Santos com a agência Ciência Viva e a Universidade de Aveiro – que “um dos problemas mais críticos do Portugal de hoje é conseguir, com pouco apoio político e uma pequena base social, encontrar formas de reter recursos humanos ligados à ciência e tecnologia no país, pois essa continua a ser a única via que vislumbro para nos mantermos na corrida com as sociedades tecnologicamente mais desenvolvidas.”

O investigador está neste momento envolvido num projeto que pretende determinar o tipo de conhecimento que circula, é utilizado e é rejeitado nas redes de inovação ligadas à mobilidade elétrica. O projeto consiste em vários estudos de caso internacionais de mobilidade sustentável, que irão investigar a relação que os decisores políticos e empresariais têm, durante as suas decisões, não só com o conhecimento científico formal, mas também com o conhecimento tácito existente nas suas redes de contactos. Pretende-se conhecer como funcionam estas redes de inovação, qual o papel do capital social e da confiança entre os agentes de inovação na transmissão de conhecimento, e as rotinas associadas à utilização de conhecimento em condições de grande incerteza e complexidade.

Boavida esteve quatro anos a investigar no Karlsruhe Institute of Technology (KIT), na Alemanha, com uma bolsa da Fundação para a Ciência e Tecnologia. A estadia no KIT foi singular na medida em que lhe permitiu contar com o apoio do maior, mais diverso e mais antigo grupo de investigadores a trabalhar em Avaliação de Tecnologia, e beneficiar da formação e experiência do instituto neste tipo de investigação bastante interdisciplinar. Diz que foi muito inesperado encontrar engenheiros, economistas, filósofos e sociólogos nas mesmas equipas de trabalho, e acrescenta:

“Na Alemanha, encontrei uma realidade académica significativamente diferente da portuguesa. Por um lado, o aparelho científico e tecnológico alemão está alicerçado numa tradição antiga de apoio à investigação, e estruturado para desenvolver não só investigação básica e aplicada com enorme sucesso, mas também para apoiar o desenvolvimento experimental junto das indústrias alemãs, em vários sectores económicos de maior ou menor intensidade tecnológica. Para além disso, o complexo sistema de ensino público alemão permite a preparação de vários perfis de alunos que, com facilidade, se integram na realidade socioeconómica alemã. A combinação destes e outros fatores gera um mercado de trabalho para investigadores significativamente mais vasto e competitivo do que o nosso, com saídas não só para o ensino, mas também para investigação e mundo empresarial.”

Sobre Portugal diz que o panorama é ainda muito insuficiente para quem quer iniciar investigação, embora se deva reconhecer que o país já não é aquela pequena aldeia de cientistas que existia após o 25 de Abril. No entanto, é também importante ter em consideração que um cientista de regresso a Portugal muito dificilmente consegue encontrar uma posição, mesmo que temporária, numa empresa, universidade ou centro de investigação.