Imaginemos como seria Portugal se não existisse jornalismo. O que aconteceria perante uma epidemia como esta que enfrentamos?

Em primeiro lugar, os portugueses não teriam conhecimento dos riscos de contágio, dos sintomas, do prognóstico da doença e dos cuidados a ter no dia a dia. Em consequência, não só o número de infetados seria muito superior, como poderiam ocorrer situações de pânico e perturbação social, à medida que começassem a morrer doentes às dezenas e a única informação disponível para esclarecer as pessoas fossem os comunicados oficiais, juntamente com os rumores e as falsidades que circulam nas redes sociais.

Em segundo lugar, os cidadãos não teriam informação suficiente para formar uma opinião sustentada sobre a doença ou a atuação do Estado. A discussão pública sobre o assunto seria pobre, para não dizer inexistente. Os responsáveis políticos e as autoridades de saúde poderiam cometer erros grosseiros, daqueles que custam milhares de vidas, sem receio de sofrer qualquer censura por parte da opinião pública ou mesmo de responder na Justiça. No final, outros incompetentes, ou corruptos confortavelmente sentados um degrau acima na cadeia alimentar, encarregar-se-iam de os fazer comendadores de alguma coisa.

Em terceiro lugar, os agentes económicos teriam ainda menos confiança do que têm agora, porque tudo se tornaria muito mais incerto. O acesso à informação seria ainda mais assimétrico do que atualmente é, pelo que apenas os empresários e investidores com bons contactos na política e acesso a informação privilegiada teriam boas probabilidades de sobreviver à crise.

Infelizmente, este não é o enredo de uma qualquer novela distópica, mas antes a realidade de muitos países por esse mundo fora onde não existe jornalismo livre. Será também a realidade que teremos em Portugal na próxima pandemia, se não forem tomadas medidas urgentes para apoiar a comunicação social numa altura em que o investimento publicitário caiu mais de 40% em poucas semanas.

Não se trata de pedir subsídios ou outros apoios que pudessem colocar em causa a independência dos media (curiosamente, muito do agrado de muitos políticos e de alguns jornalistas), mas sim de medidas “cegas” e aplicáveis a todos por igual, como regras de lay-off e linhas de crédito especificamente vocacionadas para o setor. Ou ainda medidas como o fim da contratação de serviços de clipping por entidades públicas, substituindo esses contratos, que valem mais de nove milhões de euros por ano, por assinaturas de jornais em papel ou em versão digital. A proteção dos direitos de autor, com a aplicação rigorosa da lei. O alargamento do porte pago, de maneira a facilitar a assinatura de publicações. Ou a criação de incentivos fiscais ao investimento e ao mecenato na área da comunicação social, entre outras medidas possíveis.

É a hora da verdade. Vamos passar das palavras aos atos ou ficar por boas intenções e palavras bonitas?