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Como surgiu a polémica das golas inflamáveis?

O caso já levou o Ministério da Administração Interna a abrir um inquérito urgente sobre o sucedido e provocou a demissão do adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil.
29 Julho 2019, 13h17

Na sexta-feira, o “Jornal de Notícias” (JN) noticiou que a Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC) entregou setenta mil golas antifumo, incluídas em kits de socorro aos incêndios, ao abrigo do programa “Aldeia Segura – Pessoas Seguras”.

O mesmo jornal escreveu que se tratavam de golas fabricadas com material inflamável e sem tratamento anticarbonização, o que provocou uma série de criticas à ANPC e ao Governo, que pagou 125 mil euros pelas golas antifumo. O caso já levou o Ministério da Administração Interna a abrir um inquérito urgente sobre o sucedido. Compreenda o que está a acontecer, com estas respostas rápidas.

Como veio a público a ineficácia das golas antifumo, quando os kits são distribuídos desde junho de 2018?
A denúncia chegou de dois oficiais de segurança do distrito de Castelo Branco que falaram ao JN. O problema do polémico kit, que serve de primeiro socorro à emergência dos incêndios e não ao combate, é que inclui uma gola antifumo, fabricada em poliéster que não terá a eficácia esperada: evitar inalações de fumos através de um efeito de filtro. Além da ineficácia, o material da gola é inflamável e sem tratamento anticarbonização.

Segundo os oficiais citados, que também alertaram para o colete refletor do kit, feito em poliéster, “a gola aquece muito” e “cheira a cola”.

Por que motivo a ANPC distribuiu kits de socorro às populações?
Por causa do programa “Aldeia Segura – Pessoas Seguras”. Desde 2018 que o programa “Aldeia Segura – Pessoas Seguras” está a ser implementado em vários municípios, cujo principal objetivo é conseguir encaminhar as populações para locais de abrigo em situações de emergência como é o caso dos incêndios. Ao abrigo desse programa a Proteção Civil decidiu  entregar às populações um kit de socorro.

A execução do programa “Aldeia Segura – Pessoas Seguras” resulta de um protocolo assinado entre a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e a Associação Nacional de Freguesias (ANAFRE).

Entre outros, o programa tem o objetivo de incentivar a consciência coletiva de que a proteção é uma responsabilidade de todos, apoiar o poder local na promoção da segurança, implementar estratégias de proteção das localidades face a incêndios rurais e sensibilizar as populações para a adoção de práticas que minimizem o risco de incêndio.

O programa continua em fase de implementação e soma já 1.507 oficiais de segurança local.

Quem fabricou as golas antifumo e o kit?
Uma empresa de Fafe, distrito de Braga, a Foxtrot Aventura, e outra de Arouca, a Brain One – ambas contactadas pela ANEPC.

Quanto custou a aquisição de 70 mil golas antifumo?
A Foxtrot Aventura vendeu ao todo 15 mil kits e 70 mil golas em junho de 2018. Segundo o noticiado, as golas antifumo tiveram um custo de 125 mil euros. Em sua defesa, um responsável da empresa de Fafe considerou tratar-se de merchandising e que a ANEPC não referiu à Foxtrot Aventura que os equipamentos “seriam usados em cenários que envolvem fogo”.

Depois de a polémica rebentar, o que diz a Proteção Civil?
No mesmo dia em que a denúncia foi noticiada, a Proteção Civil esclareceu que os materiais distribuídos não são de combate a incêndios nem de proteção individual, mas de sensibilização de boas-práticas.

Em comunicado, a ANEPC lembrou que os programas “decorrem da Resolução do Conselho de Ministros n.º 157-A/2017, de ‪27 de outubro, e visam capacitar as populações no sentido de reforçar a segurança de pessoas e bens mediante a adoção de medidas de autoproteção e a realização de simulacros aos planos de evacuação das localidades”.

E o Governo, o que diz?
Primeiro, o ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, disse que fora “irresponsável e alarmista” a notícia sobre as golas antifumo com material inflamável distribuídas no âmbito do programa “Aldeias Seguras”.

Contudo, Eduardo Cabrita mandou abrir no sábado um inquérito urgente sobre contratação de material de sensibilização para incêndios, na sequência de notícias sobre golas antifumo com material inflamável distribuídas no âmbito do programa “Aldeias Seguras”.

“Face às notícias publicadas sobre aspetos contratuais relativamente ao material de sensibilização, o ministro da Administração Interna pediu esclarecimentos à Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil e determinou a abertura de um inquérito urgente à Inspeção-Geral da Administração Interna”, lia-se num comunicado da tutela.

Há consequências diretas da polémica com as golas antifumo?
Esta segunda-feira, 29 de julho, o adjunto do secretário de Estado da Proteção Civil, Francisco José Ferreira, demitiu-se após ter assumido a sua responsabilidade na escolha pelas empresas que acabaram por adjudicar o fabrico das 70 mil golas antifumo inflamáveis.

Os contratos em causa foram coordenados pela secretaria de Estado da Proteção Civil, sob orientação de Francisco José Ferreira, líder do PS/Arouca e que, antes de integrar o Governo, era padeiro numa pastelaria em Vila Nova de Gaia, propriedade do seu irmão. Francisco José Ferreira de 30 anos, com o 12º ano de escolaridade, foi nomeado para o Governo em dezembro de 2017.

A Autoridade Nacional de Energência e Proteção Civil (ANEPC) pagou 350 mil euros (valor total do custo dos kits e das golas) às empresas Foxtrot Aventura – propriedade do marido de uma autarca do PS de Guimarães -, e à Brain One – cujos donos têm vencido vários contratos da câmara de Arouca, cidade onde o atual secretário de Estado da Proteção Civil – José Artur Neves – foi autarca durante 12 anos.

No domingo, 28 de julho o secretário de Estado da Proteção Civil tinha responsabilizado a Proteção Civil pela compra das golas antifumo inflamáveis.

Também na sequência da polémica com os kits de socorro e golas antifumo, a Câmara Municipal de Sintra, que tem 12 aldeias nos programas “Aldeias Seguras – Pessoas Seguras”, anunciou que vai “recolher de imediato todos os componentes inflamáveis” do kit entregue pela Proteção Civil. A autarquia, liderada por Basílio Horta, fez saber que os materiais recolhidos serão substituídos por “equipamento que garanta a segurança dos voluntários”.

As empresas em causa têm mais contratos públicos com o Estado?
Sim. O portal da contratação pública – o portal Base – tem registados dois contratos no âmbito do programas “Aldeia Segura – Pessoas Seguras” com a empresa Foxtrot Aventura, um dos quais relativo a “kits de autoproteção”, designação que tem sido publicamente utilizada pelo Governo.

No portal “Base: Contratos Públicos Online” constam dois contratos distintos com a empresa Foxtrot Aventura: o “Contrato para aquisição de kits de autoproteção, no âmbito dos programas ‘Aldeia Segura’ e ‘Pessoas Seguras’”, assinado em 12 de junho de 2018, e o “Contrato para aquisição de golas, no âmbito dos programas Aldeia Segura – Pessoas Seguras”, datado de 28 de maio do mesmo ano.

Apesar da referência à existências de cadernos de encargos, enquanto anexos, estes documentos não são disponibilizados online.

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