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‘Compra’ de férias: Patrões concordam com ideia base, sindicatos apontam riscos

Governo vai apresentar esta quinta-feira aos parceiros sociais mexidas na legislação laboral, nomeadamente a proposta que dá aos trabalhadores a possibilidade de gozarem um ou mais dias de férias, com redução no salário, mas sem prejuízo nos outros direitos. Confederações patronais concordam com a ideia “base” e definem condições para que a proposta tenha pernas para andar. Centrais sindicais esperam para ver conteúdo da medida mas alertam para impossibilidade jurídica e para uma “desigualdade gritante” caso a ideia avance tal e qual como o executivo a designou no seu programa. Serviços mínimos e fim das restrições à subcontratação estarão também em cima da mesa.
24 Julho 2025, 07h00

O Governo vai apresentar esta quinta-feira aos parceiros sociais uma proposta de alteração da legislação laboral que contempla a possibilidade de os trabalhadores ‘comprarem’ dias extra de férias, com perda de salário, mas sem prejuízo de outros benefícios, como seja o subsídio de refeição e os subsídios de natal e de férias. Ouvidas pelo Jornal Económico (JE), a Confederação Empresarial de Portugal (CIP) e Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) mostram-se alinhadas com o Governo, mas avisam que a ideia só terá pernas para andar se não se tornar num ponto de conflito entre empresas e trabalhadores. Centrais sindicais esperam para ver conteúdo da proposta, embora apontem desde já reservas e riscos.

A medida, que está inscrita no programa do executivo, merece a concordância “de base” da CIP, mas há três condições que é preciso explorar, afirma Armindo Monteiro: tem de ser uma iniciativa do trabalhador; é necessário que haja um acordo entre as partes e, por fim, é fundamental que “não haja razão de conflitualidade”, ou seja, “que não seja mais um ponto de tensão”.

Para evitar essa possível tensão, o presidente da CIP defende que o valor da ‘compra’ “tem que ser baseado em critérios muito objetivos que não faça nenhuma das partes  – não estou a dizer nem apenas os trabalhadores nem apenas o empregador – ter dúvidas”. No entender da CIP, o critério que se deve aplicar deve ser o “equivalente ao que receberia se estivesse a trabalhar” e não a ideia de uma compra negociada.

De acordo com o noticiado pelo ECO, a proposta que a ministra do Trabalho, Maria do Rosário Palma Ramalho, vai colocar em cima da mesa vai nesse sentido. Os trabalhadores poderão meter um ou mais dias de férias, sofrendo a penalização no salário equivalente ao dia de trabalho, mas sem que essas dias contem como ausências. E por isso, tanto o subsídio de refeição, como os de férias e natal não serão afetados. De igual modo, também não haverá prejuízo na carreira contributiva para obtenção do subsídio de desemprego ou da pensão de velhice.

A Confederação do Comércio e Serviços de Portugal (CCP) também concorda com a possibilidade de os trabalhadores terem dias extra de férias, com perda de salário. Em declarações ao JE, João Vieira Lopes diz para a CCP em causa está “o mesmo conceito da licença sem vencimento já existente”, aplicando-se as mesmas regras. Ou seja: “Só com acordo das duas partes. Não pode ser decisão unilateral nem do trabalhador nem da empresa”, frisa o responsável desta confederação patronal.

A intenção de conferir “maior flexibilidade no gozo de férias por iniciativa do trabalhador, com a possibilidade de aquisição de dias de férias, com um limite a definir contratualmente entre as partes” consta do programa do Governo e, apesar de ainda não serem conhecidos os moldes da proposta, para a CGTP aponta-lhe um problema de raiz. “O Governo tem de apresentar a proposta noutro molde. As férias são um direito do trabalhador; são pagas; têm um objetivo e uma legislação próprias. O Governo pode encontrar outra formulação, não pode é condicionar esta medida a compra de férias, juridicamente não é possível”, afirma ao JE Tiago Oliveira, secretário-geral da CGTP.

Assinalando não poder pronunciar-se sobre a proposta que não conhece em concreto, cujo conteúdo ainda não foi apresentado, Tiago Oliveira não deixa de lembrar que foi retirada a possibilidade da majoração de três dias de férias e, ao mesmo tempo, “coloca-se em cima do trabalhador a hipótese de comprar dias”. “Não bate a cara com a careta, não é uma discussão séria”, critica, frisando que a proposta da CGTP é que todos os trabalhadores tenham direito a 25 dias de férias.

De resto, para a central sindical liderada por Tiago Oliveira, em matéria de legislação laboral há muitos outros temas a discutir em concertação social, com os quais “nos devemos preocupar de forma muito mais firme” do que a questão da compra de férias. “Se olharmos para o programa do Governo: o ataque ao direito à greve, o ataque à contratação coletiva, a desregulação dos horários do trabalho, a questão dos bancos de horas, a precariedade  – matérias que a ir para a frente terão um impacto enorme na vida dos trabalhadores”, avisa. Tiago Oliveira lamenta ainda que, volvidos mais de 20 anos da introdução do Código do Trabalho, se tenha dado passos atrás nos direitos dos trabalhadores.

Sobre a ‘compra’ de férias, a UGT diz esperar para ver os moldes em que o Governo vai apresentar a medida, mas alerta desde já para os “riscos” caso a proposta seja interpretada linearmente como está no programa da AD. “Há aqui uma questão de desigualdade inicial que é flagrante – trabalhadores com o salário mais elevado poderão comprar férias, os que auferem o salário mínimo ou próximo dele, raramente poderão” fazê-lo, apontou ao JE o secretário-geral adjunto Sérgio Monte.

O dirigente da UGT lembra que o tema das férias estava a ser discutido na contratação coletiva. “A majoração de três dias de férias já existiu na lei geral do código do trabalho, mas caiu no tempo da Troika, deveria ser reposta pela contratação coletiva. Era um tema importante para os sindicatos”, assinala Sérgio Monte.

Outro dos receios apontados pelo sindicalista é que, em determinados setores e em várias empresas, em momentos de menor produtividade, “poderá haver pressão” por parte do empregador para que os trabalhadores comprem férias, poupando assim no salário pago, “e ao fim ao cabo se faça um lay-off à conta do trabalhador”.

Serviços mínimos mais apertados e o fim das restrições ao outsourcing

A definição de uma percentagem fixa serviços mínimos nas greves, para que haja maior “conciliação” entre direitos, e o fim das restrições ao outsourcing, aprovadas em 2023 no Governo de António Costa, são outras matérias que a ministra Maria do Rosário Palma Ramalho levará para a reunião desta quinta-feira, que está marcada para as 15 horas.

Sobre a questão dos serviços mínimos, a CGTP diz estar em curso um “ataque” ao direito à greve. “É mexer numa balança que já de si está completamente desequilibrada a favor dos patrões. (…) A greve é um direito dos trabalhadores de se fazerem ouvir, é uma arma que os trabalhadores têm para mostrar que sem eles nada funciona”, afirma o líder da CGTP, acusando o Governo de querer “retirar esse simbolismo, força e impacto que a greve tem no local de trabalho”.

Tiago Oliveira recorda a greve da CP, em plena campanha eleitoral, que causou grande impacto. Na altura, o ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, argumentava que estando em gestão, não tinha legitimidade para resolver as reinvindicações dos trabalhadores ferroviários. “Porque é que dois meses depois nada está resolvido?”, pergunta o dirigente sindical, frisando que quando os trabalhadores decretam uma greve, fazem-no porque têm necessidade de elevar as suas condições de vida. “O que o Governo quer fazer é limitar o impacto da greve, mesmo não mexendo no direito” em si, assinala Tiago Oliveira, dizendo que a CGTP não tem nenhuma linha vermelha, mas avisando que “momento em algum compactuará com algum tipo de retirada de direitos aos trabalhadores”.

Por sua vez, a UGT assinala que os setores que estão definidos como sendo de necessidades impreteríveis “estão bem definidos” e que o pré-aviso de 10 dias úteis de antecedência dá “muito tempo” às empresas ou ao Governo, tratando-se de uma greve na administração pública, para atenuar os efeitos da paralisação.

“Achamos que não haverá razões de fundo para alterações de fundo nesta matéria”, defende Sérgio Monte, lembrando que os serviços mínimos no privado são definidos por despacho pelo ministro do Trabalho em conjunto com o ministro do setor em causa. “Às vezes não são serviços mínimos, são médios e em alguns casos máximos”, apontou. No setor empresarial do Estado, acrescenta, “tem de haver uma autoridade independente para definir os serviços mínimos em cada momento. Querer definir uma percentagem mínima sempre garantida não é viável e não tem razão de ser. Porque os serviços mínimos são definidos em função da greve, da sua duração e do momento em que ocorre”, sustenta ainda o dirigente da UGT.

Quanto ao fim da proibição do recurso ao outsourcing por parte das empresas no período de 12 meses após despedimento de trabalhadores, que por exemplo a CIP aplaude, a UGT recorda o que motivou a imposição de limites na subcontratação, em 2023. “Empresas com grandes lucros usavam um malabarismo: trabalhadores com salários mais elevados eram convidados a rescindir contratos ou, então fazia-se, um despedimento coletivo, ou despedimento por extinção do posto de trabalho e, logo a seguir, contratavam trabalhadores ‘mais baratos’ [através de outsourcing] para desempenhar as mesmas funções”.

Se a norma for revogada, alerta Sérgio Monte, “vai no sentido contrário àquilo que é o programa do Governo, que é o combate à precariedade”.

A CGTP alinha nas mesmas críticas no que concerne à intenção do Governo de pôr fim às limitações do recurso ao outsourcing e lembra que, ao contrário do entendimento das entidades patronais, a norma foi considerada constitucional pelo Tribunal Constitucional. “O Governo leva o mecanismo a concertação social para, mais uma vez, encontrar mecanismos para responder aos interesses das empresas”. “Não contem com a CGTP para subscrever o quer que seja que retroceda direitos”, acentua Tiago Oliveira.

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