Existe uma máxima de mercado que aconselha os investidores a comprarem os rumores e a venderem os factos ou a notícia (“buy the rumour sell the fact”). A lógica por trás desta máxima é que a oportunidade de investimento existe quando os factos ainda não se consumaram, quando ainda existe alguma incerteza, porque quando os rumores se verificam já não haverá ninguém para comprar, já não haverá oportunidade para capturar porque os investidores mais hábeis se terão antecipado a essa consumação. É por isso altura de vender!

Se há notícia que foi amplamente especulada, discutida, antecipada, e principalmente, desejada por todo o mundo, foi a notícia de que as vacinas em desenvolvimento têm uma eficácia alta no combate à Covid-19. No mês de novembro tivemos a consumação destes “rumores”, que já haviam sido sinalizados ao longo dos últimos meses por alguns políticos e personalidades de destaque, e isso levanta a questão sobre se não estaremos perante um momento de “buy the rumour sell the fact”, ou neste caso “buy the pandemic sell the vaccine” (i.e. comprar a pandemia, vender a vacina).

Uma questão que ganha relevância perante o facto dos mercados acionistas e obrigacionistas estarem em máximos históricos, com avaliações também elas em máximos históricos, num momento em que a economia global ainda está aquém dos seus níveis de atividade pré-Covid, em que os níveis de desemprego se mantêm altíssimos em várias economias, em que alguns sectores (como aviação e escritórios) vão sofrer um ajustamento profundo, entre outros fatores de risco.

Parece no mínimo prudente realizar alguns ganhos neste contexto. Mas ao mesmo tempo parece ingénuo achar que devemos estar totalmente desinvestidos, na esperança de que a correção do mercado efetivamente aconteça. Se taxas de juro tão macabramente baixas podem fazer maravilhas no combate a uma crise como esta, como têm feito, a verdade é que também podem levar o valor dos ativos financeiros para níveis previamente inimagináveis. Sejamos prudentes, mas não ingénuos.

Algumas notas positivas sobre 2021

Se 2020 foi um ano extraordinário pelos maus motivos, é possível que 2021 o seja pelos bons, tipo efeito ricochete. Por difíceis que sejam as crises por que passamos, a verdade é que normalmente saímos delas numa versão melhor de nós próprios.

A adversidade fomenta o progresso. What doesn’t kill you, makes you stronger. Ou, na versão portuguesa, bastante mais engraçada: o que não mata, engorda. Isto aplica-se a todos nós individualmente, enquanto seres vivos com instinto de sobrevivência e capacidade de progresso, mas também se aplica à economia, às instituições, às uniões políticas, à sociedade global, organizações constituídas e geridas por esses mesmos seres vivos (e, por consequência, com instintos e capacidades equivalentes).

Começando pela nossa região, na Europa esta crise fez mais pela integração e convergência política e fiscal do que se imaginava conseguir em vários anos de trabalho político dito “normal”. Vamos começar 2021 com um Fundo de Recuperação com uma capacidade de investimento equivalente a mais de 4% do PIB da zona euro, financiado por emissão de dívida por parte da Comissão Europeia e gerido por esta. Um passo relevante para a economia europeia, um passo gigante para a integração política da região.

No que à política económica se refere, esta crise também parece ter feito o trabalho de vários anos ao quebrar por completo, de uma vez por todas, a ortodoxia que governou a política económica global ao longo das últimas décadas, e que já há vários anos dava sinais de desgaste e alguma inutilidade. Este desgaste é particularmente visível na tendência de crescentes desigualdades económicas entre os vários segmentos de riqueza da sociedade global, e que sem dúvida é uma variável que deve ser tida em conta por quem conduz a política económica.

Os gigantescos estímulos/apoios económicos que estão a ser implementados finalmente começam a endereçar este problema – que corrói a democracia e o capitalismo por dentro – e por isso 2021 pode marcar o início da reversão da tendência de crescentes desigualdades.

Outro campo onde a pandemia parece ter feito o trabalho de décadas foi na digitalização da economia. Demos um evidente pulo na direção de uma economia mais digital, que por duro que seja para alguns setores económicos, é um pulo progressivo. Pensemos por exemplo nas horas e recursos que estão a ser poupados em movimentos pendulares, ou em viagens de negócios que se transformaram em videoconferências. O caminho da tecnologia é o caminho da progressão, da produtividade, da melhoria da qualidade de vida, e a pandemia claramente forçou-nos a dar um pulo nesse campo.

Por fim, mas provavelmente mais importante, a pandemia também nos forçou à introspeção e deu-nos perspetiva. Longe da família e dos amigos, ou ligeiramente receosos por os abraçar, impedidos de desfrutar de pequenos lazeres que dávamos como adquiridos, como uma ida ao cinema ou a um novo restaurante, ampliámos a nossa perspetiva. Aprendemos a valorizar mais estes detalhes da vida que, se calhar, antes nos pareciam menos determinantes. Talvez também no campo espiritual a pandemia nos tenha ajudado a dar um pequeno pulo, e resta saber que consequência económica é que este pequeno pulo espiritual tem.

Outras notas positivas ficam por escrever, mas penso que é claro que entramos em 2021 mais fortes, depois de termos sido forçados a progredir pela pandemia. Mais uma vez, as nossas melhores valências enquanto seres vivos emergiram, e a adversidade transformou-se em progresso.