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Compta estuda entrada nos Estados Unidos com sistema para prevenir fogos

O CEO da tecnológica portuguesa, Jorge Delgado, refere que a oportunidade surgiu depois de a empresa ter vencido um concurso internacional da IBM com a solução Bee2FireDetection.
24 Março 2019, 12h00

A tecnológica portuguesa mais antiga no país – que completa 47 anos no “dia abençoado” 13 de maio – está a ponderar abrir uma empresa ou uma delegação na Califórnia, depois de ter vencido um prémio da IBM com um serviço de deteção e prevenção de incêndios florestais desenvolvido em Portugal. Em entrevista ao Jornal Económico, o CEO da Compta, Jorge Delgado, refere que a entrada no mercado norte-americano poderá implicar ter, pelo menos, dois colaboradores no local. A empresa, quase a completar as Bodas de Ouro, garante que não mudou a sua estratégia mas confirma que a inteligência artificial levou a uma “inflexão” no negócio dos integradores de soluções de infraestruturas e comunicações.

Têm um plano 2015-2020. O que falta cumprir?

Os fundadores já não estão na empresa, mas houve novos acionistas que, no princípio de 2016, adquiriram parte significativa da empresa, a maioria do capital social, o que foi um facto marcante. De lá para cá, por um lado, temos traçado uma estratégia de continuidade, porque é sempre importante valorizar aquilo que se fez. É a tecnológica nacional há mais anos no mercado português e tem um legado com nome na praça e resiliência de ultrapassar fases de altos e baixos. Por outro lado, há três ou quatro anos, começámos a olhar para o mercado e para o futuro. Traçámos um plano 2015-2020, a que chamámos “VIPI”. Diria que estamos a meio do caminho. Não alterámos o plano. Vamos afinando a estratégia. O “V” é de “Valorizar” (o histórico de competências internas na área de integração); o “I” de “Inovação”; o “P” de “Produtizar” e o “I” de “Internacionalizar”. Entendemos que a questão da inovação, apesar de antiga, tem de estar no dia a dia de empresas como esta, que lidam com tecnologia de ponta e com os desafios que os clientes têm. Começámos a trazer para dentro de casa linguagens de programação que nos permitam acompanhar a inevitabilidade da tecnologia na vida de todos nós (enquanto pessoas, empresas, país, planeta) e a trazer várias componentes para os processos de negócio. Como parte da nossa aposta quisemos também começar a ser fabricantes de produtos, de aplicações de software. Aproveitando este conceito do SaaS, e tirando partindo da cloud, trouxemos pessoas com conhecimento do negócio, pessoas ligadas aos terminais de contentores, engenheiros eletrotécnicos, etc., e hoje já temos produtos nossos.

De que áreas?

Elencámos quatro – gestão dos resíduos sólidos urbanos, eficiência energética, transportes marítimos e deteção e prevenção de incêndios – e temos vindo a desenvolver estes produtos, com conhecimento de portugueses, e a testá-los cá. Portugal é um país pequeno, onde a rentabilidade destes projetos depois não é muita, mas é ótimo quando se pensa naquilo é que o know-how que sai das nossas universidades. É fazer de Portugal um laboratório, para depois poder levar a oferta ao mundo. Por exemplo, aqui somos dez milhões de portugueses a pôr os resíduos à porta de casa, mas quando chegamos ao Brasil, onde também estamos, somos 202 milhões e na América Latina 750 milhões. Infelizmente, em Portugal há incêndios, mas essa área ardida, comparada com os 3,4 milhões de metros quadrados que ardem no planeta anualmente, tem uma dimensão diferente. Hoje, plataformas e produtos de qualidade nesta vertente de as disponibilizar para o mundo criam capacidade de replicação muito significativa. Daí o “I” de internacionalizar. É uma aposta consciente e ambiciosa.

A analítica, a inteligência artificial ou a realidade aumentada têm mudado a vossa estratégia?

Colocam desafios no desenvolvimento dos produtos. Não alterámos a estratégia, mas, se quiser, há uma inflexão naquilo que é o habitual no negócio de um integrador, que, tipicamente, é mais transacional (comprar e vender produtos de terceiros, com margens pequenas). E hoje, numa conjuntura económica sempre difícil, de obtenção de crédito, há sempre uma curva que se põe, um momento em que vendemos menos, porque o nosso campeonato depois não é o da faturação mas o da rentabilidade. Portanto, seguramente, estamos nesse ponto de viragem – felizmente, com casos concretos de projetos no ambiente, nos transportes, entre outros, em Portugal.

Como é que pretendem internacionalizar esses projetos?

Aumentámos a capacidade internacional, com mais pessoas a trabalhar e mais contactos, para completar o plano nos próximos dois anos. Temos presença local em Portugal e no Brasil e, neste momento, estamos num processo de penetração. Estamos a pensar no mercado dos Estados Unidos, mais concretamente na Califórnia. Nos próximos seis meses, queremos abrir uma empresa ou uma delegação. Ainda estamos a ver.

Porquê a entrada no mercado norte-americano neste momento?

Obtivemos recentemente um prémio mundial [IBM Watson Build 2018] com uma solução que temos [Bee2FireDetection] de prevenção e deteção de incêndios. De que nós tenhamos conhecimento – e presumo que fomos premiados por essa razão – é o primeiro serviço disponibilizado de deteção de incêndios que incorpora inteligência artificial e preditiva. Infelizmente, ainda há pouco tempo tivemos as notícias que tivemos da Califórnia. Temos ali um potencial, fruto desta visibilidade e do mediatismo internacional. Numa primeira fase, ganhámos o prémio europeu. Cerca de 200 empresas concorreram, multinacionais como a Bosch ou a Siemens. Depois, representámos a Europa dia 10 e 11 de fevereiro em São Francisco e, dos sete finalistas, ganhámos o prémio mundial, que nos está a abrir um conjunto de perspetivas e oportunidades. Neste momento, ainda são só oportunidades, mas não escondo que a obtenção deste prémio nos está a dar alguma visibilidade.

Quanto estariam dispostos a investir neste projeto?

Na área de produto, aquelas nas quais investimos atualmente são o Bee2Waste, o Bee2Fire e o Bee2Energy. Se não tivesse surgido este prémio iríamos continuar a desenvolver a deteção de incêndios. O que aconteceu foi que, com esta janela de oportunidades, vamos reforçar essa nossa vontade e predisposição para o fazer. É uma temática que tem a ver com o aquecimento global, uma situação que preocupa todos os países. Anualmente gastam-se 70 mil milhões de dólares no combate aos incêndios. Esta distinção só nos vem abrir mais as portas para os principais agentes num mercado com outras dimensões, com todo o respeito. Não mudámos a estratégia nem a descurámos. Queremos apenas aproveitar estas oportunidades. Tínhamos empresas a concorrer connosco que só para Investigação e Desenvolvimento têm tanto quanto a Compta de faturação anual. Muitas vezes esquecem-se de dizer, mas também veio ao de cima o seguinte: é um sistema feito por portugueses, que se formaram em Portugal. Orgulho-me de dizer. É gratificante.

Mas planeiam ter quantas pessoas nos Estados Unidos?

Isto é tudo muito recente. O que estamos a decidir e a debater aqui, internamente, neste momento, é continuar o caminho que estávamos a fazer e intensificar a nossa presença em São Francisco. A ideia é ter duas ou três pessoas em permanência nos Estados Unidos, o que, se não tivesse havido o prémio, não faríamos de forma tão efetiva. Vamos fazê-lo com presença.

A criação deste sistema foi complexa? Quanto tempo demorou?

O produto em si tem mais de dois anos de trabalho. Essencialmente, faz toda a parte de deteção, de prevenção e, depois, de ajuda ao combate dos incêndios. Se me perguntar se vai deixar de haver incêndios para quem tiver o Bee2Fire instalado… Nada disso. Aquilo que o Bee2Fire faz é ajudar as entidades competentes e quem anda no terreno (bombeiros, forças militarizadas…) a prever mais cedo, a detetar e, a seguir, a ajudar ao combate, com a componente da inteligência artificial (IA). Tivemos de ensinar o sistema. Como é que conseguimos isso? Há mais de dois anos que estamos a trabalhar nessa questão, por isso tínhamos mais de 500 mil imagens e carregámo-las no Watson, o sistema da IBM. A IA é como os miúdos. Temos de ensiná-la. Andávamos a preparar este caminho. Houve agora uma conjugação perfeita. Era um trabalho que estava a ser feito, que, do ponto de vista tecnológico (por câmaras térmicas ou câmaras óticas), já tinha um eficaz combate aos incêndios. O que é que foi possível acrescentar? Essa base de imagens e ensinar o Watson a lê-las. Temos trazido pessoas do meio científico e empresarial e da programação.

Portanto, é uma solução que já está ser comercializada?

Hoje em dia já temos clientes de referência em Portugal e no Brasil, entre os quais a Navigator. É uma solução com duas vertentes, uma mais florestal e outra mais industrial. Diria que são realidades distintas, que até de país para país variam. Por exemplo, em Portugal é impensável que ao fim de um minuto ou dois não se consiga detetar um incêndio. Quando chegamos à Amazónia, às vezes, 24 horas é um bom tempo de reação para conseguir detetar um incêndio. A solução foi desenvolvida pela Compta Emerging Business, a empresa, digamos, que tem levado esta oferta mais inovadora. Mas é importante referir que teve o contributo de outras áreas que também temos, como a aplicacional. A Internet of Things, a Indústria 4.0 e afins traz uma realidade nova e desafios. O mundo das comunicações já não é o que era no passado. Portanto, é o trabalho de uma equipa Compta, não só da que estava diretamente alocada ao desenvolvimento do produto, mas também de outras tecnologias, das comunicações e da segurança. Acho que tudo aquilo que a tecnologia pode trazer para os negócios, independentemente de qual ele for, vai ajudar a otimizar processos. Até nas cidades. A preocupação de um presidente de câmara é ter os seus munícipes felizes, quer seja depois mais eficiente a recolher resíduos ou a fazer a rega. A tecnologia vai abarcar todas essas áreas, toda a componente de dados terá impacto, porque haverá uma proliferação de sensores e de informação que vai continuar a surgir.

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