A expressão “jornalismo amarelo” surgiu nos finais do século XIX, nos Estados Unidos. Tratava-se de uma forma de jornalismo que privilegiava o sensacionalismo sobre os factos. Contribuiu decisivamente para mobilizar a opinião pública norte-americana a abraçar a causa da guerra hispano-americana, em Cuba e nas Filipinas, acontecimento que marcou o início da expansão americana overseas.

O catalisador específico dessa guerra foi o afundamento do Maine, um navio da marinha de guerra norte-americana, que se encontrava fundeado no porto de Havana. Os promotores da designada imprensa amarela, que atribuíram a culpa à Espanha, desencadearam uma feroz campanha mediática responsável por criar as emoções propícias à aceitação da guerra. Hoje, conhecem-se as causas do afundamento do Maine, que não têm nada a ver com a versão na altura aceite. O afundamento tornou-se num conveniente pretexto instrumental para desencadear a guerra.

A História está repleta de casos semelhantes. Foram vários no Teatro de Operações da antiga Jugoslávia: o bombardeamento do mercado de Sarajevo, em agosto de 1995; o massacre de 45 alegados aldeãos albaneses kosovares, na aldeia de Račak, em janeiro de 1999. Ambos contribuíram para moldar psicologicamente a opinião pública internacional para aceitar, no primeiro caso, o bombardeamento dos bósnios sérvios e, no segundo, da Jugoslávia.

Ainda hoje subsistem muitas dúvidas quanto aos autores dos massacres. No caso de Sarajevo, é tremendamente questionável atribuir aos sérvios a autoria dos disparos, dado o ângulo com que os projéteis atingiram o solo. Apesar da pressão do quartel-general, em Nova Iorque, para garantir que não se estavam a cometer erros de avaliação, a responsabilidade foi atribuída ainda sem certezas quanto aos autores da desgraça.

No caso de Račak, William Walker, chefe da Kosovo Verification Mission, da OSCE, decidiu logo no local onde foram encontrados os corpos que tinham sido os sérvios os autores das mortes, algo imediatamente por eles contestado, acusando as vítimas de serem membros do Exército de Libertação do Kosovo, e, portanto, combatentes e não civis inocentes. Na análise forense verificou-se que os corpos tinham pólvora nos dedos indicadores, o que indiciava serem combatentes.

Em todos estes casos, a atribuição de culpas ocorre rapidamente após um sumaríssimo processo de apuramento dos factos, uma vez pretender-se obter um efeito político. Mesmo que se venha a comprovar o contrário, o resultado pretendido já foi atingido. Por isso, nalguns casos, por perceberem que podiam obter vantagens políticas, as fações não se inibiam de alvejar as próprias populações. Para tal, contaram com o trabalho de empresas de relações públicas e spin doctors encartados. Fui simultaneamente testemunha e alvo de casos destes. Algo impensável para cidadãos que nunca participaram nestas ‘andanças’.

O massacre em Bucha, um subúrbio de Kiev, fustigado pelos combates entre russos e ucranianos, não está isento de dúvidas, que urge esclarecer com celeridade. Como nas situações anteriormente mencionadas, mesmo que se faça uma investigação, ela será sempre tardia porque o acusado já foi identificado, para lá de qualquer dúvida razoável.

Afinal temos aprendido muito pouco. Continuamos a sobrepor as emoções à razão, e a ver o mundo a preto e branco. As nossas mentes continuam a ser moldadas de modo a aceitarmos visões simplicistas de realidades complexas. Perceções maniqueístas dão-nos mais conforto por confirmarem os nossos preconceitos e as nossas “certezas”. Bons e imaculados de um lado, maus e intragáveis do outro. Os bons nunca cometeriam crimes de guerra ou contra a humanidade, apenas porque são bons. O fact checking encontra-se missing in action.