Os recentes escândalos do LuxLeaks, Panama Papers e Paradise Papers posicionaram a Comissão Europeia em lugar de destaque na implementação de legislação relacionada com o Projeto BEPS (já por nós abordado anteriormente), com um foco específico na dissuasão de práticas de planeamento fiscal agressivo. Talvez por isso não seja de estranhar que 2018 tenha terminado com uma consulta pública da Comissão Europeia pouco divulgada, no sentido em que a legislação comunitária em matéria tributária transite de um processo de unanimidade para um regime de maioria qualificada.

De facto, se perspetivarmos a crescente relevância do Direito Comunitário em matéria tributária, incluindo a mais recente diretiva relativa a divulgação de estruturas fiscais (também conhecida como “DAC 6”), podemos antecipar as ramificações futuras deste debate.

A DAC 6, ao obrigar intermediários e contribuintes a comunicarem “mecanismos de planeamento fiscal transfronteiriços potencialmente agressivos” às respetivas autoridades tributárias nacionais, poderá resultar num impacto significativo ao nível das empresas e consultores legais e fiscais.

O âmbito de aplicação das obrigações de comunicação (inspirado na Ação 12 do Projeto BEPS) é surpreendentemente amplo, exigindo, desde logo, que intermediários e empresas desenvolvam um plano interno para lidar com tais obrigações, considerando que as primeiras comunicações devem ser apresentadas até 31 de agosto de 2020 e que abrangem estruturas ou operações implementadas desde 25 de junho de 2018 (data da entrada em vigor da Diretiva).

As estruturas/operações abrangidas pelo regime são as que contenham pelo menos uma das “características-chave” (hallmarks) presentes no Anexo IV da Diretiva. Estas  funcionam como indícios de práticas fiscais agressivas e estão divididas em duas grandes categorias: genéricas ou específicas.

Um ponto importante é que determinadas características-chave necessitam de ser suplementadas com o teste do benefício principal para gerarem a referida obrigação de comunicação (i.e. que a vantagem fiscal seja o benefício principal ou um dos benefícios principalmente visados com a estrutura implementada). Noutros casos, basta que determinadas características-chave sejam identificadas para que automaticamente se verifique a obrigação de comunicação.

Importa recordar que no plano doméstico, o legislador português já tinha estabelecido deveres de comunicação, informação e esclarecimento à administração tributária através do Decreto-Lei n.º 29/2008, sendo um dos poucos países europeus a contar com este tipo de legislação. No entanto, esta iniciativa legislativa não atingiu o impacto desejado pelo legislador, talvez pelo facto de os deveres de comunicação dependerem sobretudo de pressupostos subjetivos e dificilmente controláveis e, na altura em que foi publicado, ter representado um desvio na tradição jurídica nacional.

De forma semelhante ao mecanismo nacional, a DAC 6 estabelece que os deveres de comunicação relativos às estruturas/operações abrangidas recaem, geralmente, sobre os intermediários, a menos que tal comunicação possa violar um dever de sigilo profissional legalmente protegido (e.g. consulta jurídica por advogado). Neste último caso, os intermediários devem notificar quaisquer outros intermediários ou, em caso de inexistência destes, será sobre o contribuinte final que recairá a obrigação de comunicação.

Se considerarmos a carga administrativa para intermediários e empresas, os custos de cumprimento associados e o potencial risco de penalidades, podemos facilmente concluir que a DAC 6 cria mais uma camada de complexidade à denominada nova fiscalidade internacional.

Mas, eventualmente, tão ou mais importantes são os eventuais impactos a longo prazo destas medidas, que acabam por reforçar o papel da fiscalidade como um tema fulcral no governo das sociedades. Neste admirável mundo novo, os órgãos sociais devem estar preparados para saber navegar nas águas turbulentas da comunicação em temas fiscais (interna e externamente) a partir de uma perspetiva de responsabilidade corporativa, gestão de risco e compliance interno, no sentido de identificar e prevenir eventuais operações de planeamento fiscal agressivo. Bem-vindo ao mundo da realidade aumentada em questões tributárias.

 

Ao longo de dez artigos, o departamento fiscal da Garrigues aborda os principais desafios relacionados com o novo contexto da fiscalidade internacional. Trata-se de uma oportunidade para os leitores compreenderem melhor o contexto de uma fiscalidade cada vez mais transparente, mas também mais complexa e com custos de cumprimento elevados. Próximo artigo: “Big Data e Troca de Informações em Matéria Fiscal”.