A presença do novo coronavírus despertou a solidariedade universalmente reconhecida aos portugueses. Estes remeteram-se ao isolamento e ao distanciamento social ainda antes do estado de emergência ter sido iniciado, e o decreto presidencial apenas veio confirmar o que estava já comunitariamente interiorizado.
Nas seis semanas que leva este estranho e extraordinário processo de confinamento, parece que o país se converteu a uma espécie de consenso nacional em nome do combate ao vírus. É normal em processos de conflito ou de guerra, quando nos focamos num inimigo comum, pois acima das divergências está o interesse público.
Contudo, não estamos em guerra. E por mais que aparente que a crise tenha sido conduzida adequadamente, o processo de análise começa agora a ser aprofundado. E muito do que foi anunciado passou no plano das boas intenções, desvendando-se agora um conjunto de inércias que importa registar, emendar e ultrapassar.
As distorções que a economia reclama abrem as hostilidades. Linhas de crédito insuficientes, financiamentos que não chegam à economia real, hesitações e excesso de burocracia nos processos de lay-off, estratégia labiríntica e enviesada que se refletiu em sucessivas alterações legislativas lançaram a dúvida e criaram, primeiro esperança e agora desilusão, na possibilidade de rápida recuperação das iniciativas empresariais.
A este cenário de expetativas não ficam alheios o ministro da Economia Pedro Siza Vieira, e a ministra do Trabalho e Segurança Social Ana Mendes Godinho, porque perderam nas palavras, antes dos factos os desmentirem.
As pequenas e médias empresas descapitalizadas confrontam-se com a dificuldade de aceder ao crédito. Os números do desemprego ameaçam chegar aos dois dígitos e deixam apreensivos trabalhadores e políticos. Urge olhar para esta situação, que não se confina à resposta social mas antes à necessidade de expetativa de regresso a soluções ativas.
O primeiro-ministro compreendeu as dificuldades e apresentou-se em público, liderando todos os noticiários e gerindo a imagem pública do Governo. Vestiu-se de confiança e deu segurança às suas intervenções. Fez o trabalho de dirigente político. Arrastou os partidos políticos parlamentares para a sua causa e garantiu quietude para este período.
Mas agora é tempo do dia seguinte. E o líder do PS sabe que não vai ser fácil politicamente. Depois de ter garantido que o orçamento suplementar será aprovado pelo compromisso político do PSD, António Costa olha para os seus tradicionais parceiros de esquerda.
O primeiro sinal foi dado pela atitude complacente face à celebração do 1º de Maio pela CGTP. A amplitude da iniciativa em tempo de confinamento não foi um mero ato de contemporização ao movimento sindical, mas uma declaração política de reconhecimento da Intersindical e de abertura ao PCP, ali marcada com a presença de Jerónimo de Sousa, e a injustificável cobertura do ministro Eduardo Cabrita ratificou no Parlamento.
A opção ficou bem vincada na recente entrevista do ministro Santos Silva, na afirmação firme de que a maioria de esquerda se mantém desde 2015. O oportunismo da convergência nacional acabou. É tempo de optar e de voltar aos tempos da geringonça. A estratégia do Governo foi marcada pela necessidade do momento, agora regressamos ao habitat natural. Do anúncio pronto à execução tardia, da certeza afirmada à indecisão sucessiva, a constante do Governo não passa por um máximo denominador comum, mas pelo regresso ao mínimo divisor comum da esquerda.