Exactamente há um mês, dia 17 de Agosto, encerrou-se a iniciativa de dois dias sobre a Memória e o Futuro de São Jorge com um concerto à noite no adro da igreja matriz pelo grupo musical Xarabanda, um dos mais conhecidos da ilha da Madeira.

Para que as pessoas, sobretudo não madeirenses, consigam ter uma ideia precisa de onde se situa São Jorge, trata-se de uma freguesia de Santana, da ilha da Madeira, concelho bem conhecido pelas suas casas de palha (colmo) e de madeira, muito divulgadas em postais turísticos.

Feita esta breve nota do local do evento, apraz-me deixar aqui registadas algumas considerações que, em termos genéricos, já coloquei num simples post, logo que regressei a Lisboa.

O Congresso de São Jorge em que à partida mostrei, quando contactado pela Comissão Organizadora, muita reserva em participar por múltiplas razões, entre as quais porque me questionava sobre o que poderia acrescentar a um evento desta natureza, pois embora sendo da terra, estava afastado e com pouco conhecimento concreto da realidade local.

Acabei por vencer a relutância e decidir corresponder. Valeu a pena. Com o debate e a reflexão que houve no Congresso aprendi muito.

São Jorge é uma das muitas freguesias da Costa Norte da ilha da Madeira – constituída pelos três concelhos Santana, São Vicente e Porto Moniz.

A Costa Norte, em minha opinião, é a parte da Madeira em situação muito crítica em termos de FUTURO. A pouca distância no tempo, vai enfrentar problemas profundos de despovoamento, direi mesmo irreversíveis. Aliás, toda a Costa Norte já está nessa trajectória de profunda quebra populacional. Desde 1981, perdeu cerca de 40% da sua população.

A Região Autónoma da Madeira, segundo as últimas projecções demográficas do INE, é a zona de Portugal que tende a ocupar a posição de lanterna vermelha, ou seja, aquela onde se estima a perda de população mais dramática e, como se sabe, essa perda é distribuída de forma desigual no território.

Há contrastes muito fortes dentro de cada região devido ao diferenciado comportamento da evolução demográfica, aos diversos indicadores demográficos e de desenvolvimento económico.

Distribuição da população residente

A região da Madeira tem 11 concelhos com uma população residente em 2016 de 254.876 habitantes.

Agregando por grupos: nos três concelhos mais populosos (Funchal, Santa Cruz e Câmara de Lobos) o número de residentes é de 182.886 = 71,75%; na Costa Norte da Madeira (Porto Moniz, São Vicente e Santana) 14.426 = 5,66%; na Costa Oeste da Madeira (Calheta, Ponta do Sol e Ribeira Brava) 31.949 = 12,53%; em Machico 20.453 = 8,02%; no concelho de Porto Santo 5.162 = 2,03%.

Cenários demográficos para a Madeira

O INE desenhou para a Madeira no Horizonte de 2080, quatro cenários demográficos:

  • 300 habitantes = Cenário Baixo
  • 682 = Cenário Central
  • 898 = Cenário Alto
  • 315 = Cenário sem migrações.

Os dois últimos cenários têm, em minha opinião, pouca aderência à realidade futura. O cenário sem migrações é irreal, pois há sempre, em maior ou menor escala, migrações e depois pouco acrescentaria considerá-lo, pois muito se aproxima do Central. O cenário Alto porque não se conjuga com a evolução de indicadores como o índice de envelhecimento, a taxa de natalidade, de mortalidade ou de renovação da população activa, entre outros. Daí, a população da região a 60 anos tenda a situar-se num valor entre 93.300 e 165.682 habitantes residentes (cenário Baixo e Central).

Costa Norte – um Futuro Negro

Já usei esta designação de “Futuro Negro” em artigo do DN Madeira, porque estou muito convencido disso, se nada for feito para contrabalançar o processo de desertificação em curso.

Apresento um exercício sobre a População Futura da Costa Norte, como demonstração desse Futuro Negro. Um exercício sem preocupação de grandes teorizações. Apliquei aos três concelhos da Costa Norte um coeficiente ligeiramente mais baixo do que têm hoje na distribuição da população global da Madeira.

Com que critérios?

Porque analisando a evolução demográfica de forma comparativa, por exemplo com base no ano de 1981, deparámo-nos com o Concelho de Santana a pesar 4,4% da população da Madeira de então e agora (2016) 2,7%; S. Vicente 3,3% e agora 2,0% e Porto Moniz 1,5% e agora 0,9%, ou seja, a população destes três Concelhos caiu de 23.804 habitantes para 14.426. Levando em conta esta perda sucessiva de população, os elevados índices de envelhecimento, os mais altos da Madeira, é lógico que, com este método simples, se estimem valores possíveis de acontecer para a População Futura como ordem de grandeza.

O objectivo é alertar quem tem o dever de pensar no assunto: as entidades eleitas, quer a nível local quer regional, pois que se trata de um problema global da Região.

A população da Costa Norte em 2080

Vamos admitir de forma prudente que, em 2080, a população destes três concelhos só recuará para 4%. Já usei esta taxa no artigo referido.

Teremos, então a Costa Norte com 3.372 residentes no Cenário Baixo e 6.627 habitantes no Cenário Central. Insisto. Esta é uma posição bastante prudente, tendo em conta a análise evolutiva da população desde 1981, a qual só tende a degradar-se dada a sua composição.

Continuando o exercício e distribuindo estes valores pelos três concelhos Porto Moniz, S. Vicente e Santana, segundo a proporção relativa que mantêm entre si, o que é normal pois a situação, neste domínio, tende a estabilizar, obteríamos os seguintes valores: Porto Moniz, população Cenário Baixo 558 habitantes, Cenário Central 1.098; São Vicente respectivamente 1.206 habitantes e 2.370 e Santana 1.607 habitantes e 3.158 no Cenário Central.

Uma nota muito pessoal. Francamente penso que, sem mudanças radicais, a realidade a 60 anos será bem mais dramática. Defendo mesmo que se aproximará muito mais do Cenário Baixo que do Cenário Central. Que pensar, então, de um Concelho com 600 pessoas, ou mesmo com 1.000, 1.500/1.600?

Convém referir que estamos perante números relativos à globalidade do concelho. É viável um concelho como o Porto Moniz com 600 habitantes? Como serão as freguesias? Quem trabalhará nos serviços administrativos do Concelho, Câmara, Juntas de Freguesia, Finanças, Serviços de Saúde, Escolas?! Haverá mesmo pessoas para tal? E quem suportará os custos administrativos?

Mas as questões postas em relação a Porto Moniz fazem igualmente sentido para São Vicente e Santana.

Olhemos um pouco para Santana atendendo a que foi neste concelho que realizou o Congresso. Tem seis freguesias em que uma tem actualmente menos de 200 residentes (182). Com a tendência futura da quebra populacional quantos serão os residentes?

E mesmo São Jorge, onde tomei conhecimento que a Escola EB23 onde se realizou o Congresso (5º ao 9º ano), no próximo ano já não abre o 5º por falta de alunos. O que vai acontecer a esta escola? Morte natural à vista. E então? Já se imaginou o que isto significa? Para além de não haver escola desaparece um grupo dinâmico da freguesia (os professores).

Foi sobre esta e outras questões que o Congresso se preocupou, umas mais de carácter geral como o Povoamento ou mesmo a Formação Cultural e Religiosa do Povo Madeirense. Outras de incidência bem local, como o Património Natural e a Cultura e Património de São Jorge. Fiquei deveras surpreendido com as grandes potencialidades que São Jorge detém.

Faltou/falta aprofundar como elas podem reverter para mudar o panorama e nomeadamente como atrair pessoas a residir localmente. Depois ainda me apercebi que algo “mexe” no mundo rural, nomeadamente no sector pecuário. Sempre defendi, recuando no tempo, que este era/é um concelho de grandes potencialidades nesse domínio e a precisar de conciliar com algum tipo de turismo mais centrado localmente e não teleguiado apenas do Funchal. Aliás, penso que esta situação constitui um dos grandes entraves a um turismo mais consistente a precisar de atrair segmentos de mercado específicos.

Há que não desistir de um projecto alternativo. Há que alargar esta reflexão a toda a Costa Norte e porque não avançar para um Congresso de toda a Costa Norte como foi sugerido?

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.