Na sua entrevista, o ex-Presidente da República diz coisas extraordinárias e adopta a teoria, não original, dos factos alternativos: “O que relato no livro são os factos rigorosos, tal como foram percepcionados por mim (…)”. Cavaco Silva produz mais uma peça da sua defesa política pelas responsabilidades maiores (não únicas) que tem pelo desastre em que se encontra o país. Não foi em vão que comandou ou tutelou a política de direita durante 20 anos, dez como primeiro-ministro mais dez como Presidente da República.

Na entrevista está a crítica simplista a quem se atreve a questionar o euro, a União Europeia: “(…) fazem-no de forma vaga e escondendo as suas consequências – isto é, mostrar que é um bem sair da Europa (Como?!),  sair da zona euro, sem explicar o que acontece no dia seguinte.” O que começa por ser falso, ou talvez melhor… é a sua percepção alternativa.

Mais interessante é, agora, a sua extrema preocupação com as “consequências” das saídas. Um notável contraponto ao seu completo “esquecimento” de avaliação das também consequências da adesão de Portugal à UEM e ao futuro euro, quando subscreveu o Tratado de Maastricht, em 1992, como primeiro-ministro! A que estudos procedeu então o governo português? Que elaboração fez a catedrática figura dos problemas que poderiam advir para o país? Onde estão as medidas avançadas para minorar os riscos conhecidos que, aliás, outros reclamaram? Onde foram então referidas as propostas, que agora descobriu e enuncia como sendo necessárias para responder aos problemas da zona euro – caso de “um mecanismo para fazer face aos choques assimétricos”? Agora anuncia a catástrofe, mas durante muitos anos só viu leite e mel… no Pelotão da Frente.

A pouca seriedade na abordagem destas e de outras questões está bem patente quando, discorrendo ao jeito de pitonisa das desgraças, afirma que com a saída do euro “ocorreria um forte agravamento das dívidas do Estado, dos bancos e das empresas”. Será que, em 2002, quando o escudo foi substituído pelo euro, houve desagravamento das dívidas? Ignorância? Não. Cavaco Silva não desconhece a Lex Monetae, a Lei Monetária, princípio do direito internacional. Foi assim que a dívida pública portuguesa, emitida em escudos, foi convertida em euros em 1999. (Ver referência no Regulamento (CE) n.º 1103/97 do Conselho).

Tal como não desconhece a quem serve o euro. “Só há um país que podia sair sem grandes custos da zona euro”. A jornalista: “A Alemanha”. “É a Alemanha – responde Cavaco – mas não sai. Sabe porquê? Porque o marco valorizar-se-ia imediatamente. Portanto a Alemanha não tem nenhum interesse em sair da zona euro.”  Sabidão, o Professor…

O autor escreve segundo a antiga ortografia.