O discurso dominante sobre a Globalização sempre foi propositadamente simplista: um espaço plano e aberto, arena de oportunidades, comércio livre e fluido. Mas, não. Trata-se de uma paisagem áspera, marcada por uma estrutura distorcida à partida e continuamente a ser contorcida. Não é tanto um lugar (estático) para o mérito absoluto, mas antes um processo (dinâmico) de luta pela prosperidade relativa.

A economia-mundo está agora a ser apertada por uma tenaz. É como se fosse a revolta da geografia. E há dois tipos de geografia: a física e a humana.

Existem pontos de pressão que no planeta modelam as passagens e os intercâmbios. E, neste momento, dois gargalos globais coincidem com constrangimentos simultâneos: o Canal do Panamá, por razões naturais, e o Mar Vermelho, por mão humana. São diferentes interfaces entre as mesmas mega-regiões, Ásia-Pacífico/Euro-Atlântico.

No Panamá, uma seca severa tem afectado o tráfego, com cavado impacto desde Outubro do ano passado. As autoridades diminuíram as travessias na infra-estrutura em 40%, com especiais restrições para os maiores navios (os porta-contentores Neopanamax).

Nesse mês, ao largo do Iémen, os rebeldes Huti declaravam hostilidades a todos os operadores representativos de interesses por eles considerados cúmplices de Israel. Chegando a haver seis ataques a cada sete dias, deu-se uma quebra de 60% no tráfego no Suez, com muita carga a fazer a Rota do Cabo, somando dezenas de dias e sobretaxas aos seus custos.

E como afinal as cadeias de valor se sobrepõem e as redes são interdependentes, os problemas multiplicam-se. A âncora de um navio danificado terá nesta última semana provocado o corte de três cabos submarinos, obrigando a desvios dos fluxos digitais para alternativas menos fáceis, África abaixo, ou mais caras, dando a longa volta pelo Pacífico.

Tudo isto nos dias em que também estiveram na agenda a re-securitização dos portos norte-americanos (ordem executiva emanada da Casa Branca), acusações à Rússia de nuclearização do espaço orbital, e riscos de disrupção das estabelecidas práticas de transmissão de dados electrónicos na reunião da Organização Mundial do Comércio.

O saliente aqui é a combinação de efeitos conspirando para a reversão da integração económica. Resgatar a estabilidade requer redundâncias. Nisto, o convite do Brasil para a participação de Portugal à mesa de G20 foi notícia positiva. Re-rotear será preciso.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.