Demasiados governantes portugueses não perceberam as regras de Maastricht, acharam que eram normas externas que bastava fingir seguir. Não compreenderam que a entrada na moeda única implicava uma mudança de regime, em que perdíamos o instrumento da política monetária para estabilizar a economia, que ficávamos apenas com a política orçamental. Ao ficar sobrecarregada de responsabilidades, era essencial que as contas públicas tivessem margem para actuar quando, eventualmente, chegasse a necessidade. Por isso, não bastava ter défices abaixo dos 3% do PIB (a regra oficial).

Por isso, foi especialmente escandaloso que Portuga ultrapassasse aquele nível logo em 2001, quando a taxa de desemprego era muito baixa, não havendo qualquer desculpa para haver um problema orçamental. Foi toda a contabilidade criativa da segunda metade dos anos 90 que nos conduziu a esse primeiro desastre.

Na recente reunião da NATO, os seus membros concordaram em aumentar a despesa em defesa até 5% do PIB em 2035, sendo que 1,5% do PIB seria em despesa indirectamente relacionada com a segurança. Na verdade, aceitaram este acordo com uma arma apontada à cabeça, arma essa empunhada por líder muito poderoso, pouco equilibrado e menos confiável ainda.

Qual a racionalidade destes 5% do PIB? A Rússia, a ameaça mais óbvia, tem uma população que é um terço da da UE e um PIB que é apenas 10% da UE (os membros europeus da NATO não se confundem com a UE, mas a sobreposição é muito forte). Com a invasão da Ucrânia, a despesa russa com a defesa subiu para 6% do PIB, o que é apenas 0,6% do PIB da UE.

Os EUA, que têm ambições muito superiores aos países europeus da NATO, com bases militares por todo o mundo, gastaram em média 3,3% do PIB entre 2022 e 2024 (depois da invasão da Ucrânia), inclusive abaixo dos 3,5% do PIB entre 2014 e 2021.

Quem é que se pode argumentar que 3% do PIB são insuficientes para a Europa? Para além de que esta meta tem também o grave problema de se referir aos recursos despendidos e não aos resultados obtidos.

Como é evidente, os Estados europeus também precisam de melhorar imenso a eficiência com que gastam na defesa. Os EUA têm apenas um tipo de tanque e na Europa são produzidos 17 (!) modelos diferentes, um óbvio desperdício de recursos.

Para além disso, há os gigantescos obstáculos orçamentais e políticos a aumentar os gastos militares. A França, das poucas potências nucleares do mundo, tem estado em crises políticas sucessivas, com um défice de 6% do PIB e dívida pública de 113% do PIB. Como é que vai conseguir cumprir as metas da NATO?

Em resumo: as metas da NATO têm muito pouca racionalidade; existe a elevada probabilidade de não serem cumpridas, por alguns dos seus membros mais importantes. Por isso, faz sentido que Portugal não tenha pressa em atingir metas, que têm elevada probabilidade de serem adiadas ou mesmo descartadas, sobretudo a partir de 2029, com o fim do mandato de Trump. Se, pelo caminho, se recorrer a “contabilidade criativa” e se incluir naquelas despesas algumas que já tínhamos intenção de fazer, estou totalmente de acordo.