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Contabilistas na linha da frente no apoio aos empresários na pandemia

Executivos de firmas de contabilidade alertam para o aumento exponencial do trabalho com a entrada em vigor de novas legislações “diariamente” e tecem críticas ao ‘Big Brother’ fiscal.
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25 Outubro 2020, 16h00

Os contabilistas portugueses, caracterizados pela bastonária como “psicólogos” dos empresários nos últimos meses, anteveem um ano 2021 igualmente atípico, com um contexto de pouca prosperidade e estagnação económica. Os gestores de firmas de contabilidade, contactados pelo Jornal Económico (JE), consideram que o maior receio – e, ao mesmo tempo, incerteza – está na quantidade de organizações que se irão manter depois do fim das moratórias de crédito e suceder o verdadeiro confronto com clientes-bancos.

“Os serviços de contabilidade são, por si só, uma atividade bastante exigente do ponto de vista de cumprimento de obrigações fiscais, dificultando bastante a tarefa dos profissionais da área que se deparam diariamente com a intensa agenda fiscal exigida pelo Estado. Com o espoletar da crise pandémica vimos incrementado o nosso desafio diário, já que existia e existe a necessidade de compreender de forma célere as novas legislações publicadas diariamente”, explica Ana Louro, diretora operacional da Moneris em Lisboa. Só dessa forma foi possível transmitir a informação necessária e atempada aos gestores, diz.

Para o CEO da Portugal Partners, o trabalho dos contabilistas é a “pedra angular no arco da informação empresarial”, porque os melhores resultados advêm do enquadramento da atividade da empresa no contexto contabilístico-fiscal e do acompanhamento constante que é dado ao cliente. “Não há relação mais íntima, profissionalmente falando, que aquela que se tem com o contabilista”, assevera. No entanto, o surgimento do novo coronavírus limitou a proximidade social e, a seu ver, esse distanciamento físico é “altamente tóxico” para a confiança dos cidadãos. “O contabilista não pode reunir com o cliente, o cliente não se sente à vontade para expor os seus problemas numa meeting call e, por vezes, nem tem condições de hardware ou software para tal”, denuncia João Pedro Neves.

É por isso que, para a bastonária da Ordem dos Contabilistas Certificados (OCC), estes profissionais também estiveram linha da frente da pandemia, com poucas horas de sono e muitas de trabalho a auxiliar as empresas. “Triplicaram o trabalho sem haver diminuição das suas obrigações normais, o que exigiu um esforço e uma dedicação enormes. O Estado foi implementando regularmente inúmeras medidas desde março com legislação complexa e os contabilistas certificados ajudaram as empresas as empresas a compreender e a optar pelos apoios que existiam e, consequentemente a sobreviverem”, disse Paula Franco.

A Moneris criou uma equipa de gestão de crise para procurar responder mais rapidamente às necessidades dos clientes, mantendo-os informados a tempo e com dados credíveis, e recorreu à tecnologia disponível. “Nos casos em que não havia a possibilidade de receber a documentação por via eletrónica, houve a necessidade de recolher a documentação junto dos clientes para posterior tratamento. Nestas situações houve que acautelar que os documentos, antes de tratados, passariam por um processo de quarentena, o que obrigou a cuidados acrescidos bem como a um incremento administrativo dos nossos serviços”, conta Ana Louro.

O partner e CEO da TCAGest, Paulo Luz, lembra que em todas as mudanças acabam por surtir um efeito “bola de neve” no setor da contabilidade, devido à urgência na tomada de decisões, mas esta crise trouxe novos desafios, nomeadamente garantir a segurança através do teletrabalho e utilizar tecnologia para manter o espírito de equipa, reforçar a proximidade com clientes e transmitir a informação de base à contabilidade.

Paulo Luz acompanha ainda as inúmeras críticas que a bastonária da OCC tem feito aos procedimentos a adotar para a submissão do ficheiro SAF-T à Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), o designado ‘Big Brother’ fiscal. Em causa está o facto de o ficheiro SAF-T – criado para facilitar o processo de auditoria fiscal – ter começado por conter dados contabilísticos extraídos dos programas informáticos de contabilidade para que a AT analisasse as operações e, numa fase posterior, essa informação ter passado a ser previamente submetida ao Fisco para permitir o preenchimento automático de vários campos dos anexos A e I da IES (Informação Empresarial Simplificada).

“Nesta mudança, SAF-T passou a agregar informação pessoal, sobretudo relativa a clientes (particulares) e, é especialmente surpreendente quando os dados pessoais dizem, sobretudo, respeito a terceiros, como fornecedores e clientes “reveladora de importantes dimensões da vida privada, podendo até envolver dados especialmente sensíveis, como sejam os relativos à saúde contidos nas faturas relativas à prestação de consultas, cuidados médicos ou de realização de exames de diagnóstico”, como faz notar a CNPD no parecer com data de 15 de junho. Parece-me que a AT ultrapassou os limites ao criar um ficheiro com estas características e extravasou as suas competências”, denuncia Paulo Luz ao JE.

A opinião é partilhada pelo diretor executivo da firma de contabilidade Portugal Partners, que afiança que os profissionais pretendem transparência, rigor e não têm “nada a esconder” e tece críticas ao Fisco. “O SAF-T da contabilidade vem afinar o reporte contabilístico para uma leitura por parte da AT desleal. O uso da palavra desleal não é inocente, porque leva a crer que o contabilista trabalha a favor da AT e é pago pelas empresas e empresários em nome individual. Compreendo que existam formulários próprios para declarar impostos, mas fazer os registos contabilísticos segundo um código que a AT disponibilizou (taxonomias) quase em detrimento do Sistema de Normalização Contabilística não é o mais correto”, afirma João Pedro Neves.

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