Os ciganos são a maior minoria étnica da Europa e a mais odiada em Portugal. Apesar das denúncias e apelos de instituições internacionais como a UE ou a ONU, o Estado português continua a recusar-se a recolher e a publicar dados que monitorizem perfis e desigualdades étnico-raciais em Portugal, dados que, entre outras coisas, permitiriam perceber as condições de vida das comunidades ciganas em Portugal. Ainda assim, a pouca informação recolhida sugere que as populações ciganas vivem, na sua maioria, em condições de extrema pobreza, sofrendo de uma profundíssima exclusão e marginalização social.

O discurso e atitudes de discriminação e ódio a pessoas ciganas são tão frequentes como os dias de 24 horas. A forma como o racismo interpessoal se concretiza varia, desde as expressões populares de ciganofobia subliminar, como no uso da expressão “com um olho no burro e outro no cigano”, à violência física e psicológica, como no episódio de há uns meses no concelho de Moura, em que foram atiradas bombas para quintais de uma comunidade cigana e escritas ameaças de morte nas paredes.

Em todo o caso, a discriminação ciganófoba deve preocupar-nos ainda mais quando provém de instituições e de pessoas que as representam, precisamente porque materializa uma violência institucional que limita as oportunidades e tolhe a liberdade dessas pessoas para perseguirem os seus sonhos, a sua felicidade.

Em Pombal, uma realidade que conheço bem, o Bairro social Margens do Arunca, onde foram alojadas 55 famílias ciganas, foi construído onde não mora mais ninguém, numa zona industrial, e separado da cidade pelo IC2, pelo rio Arunca e pelos caminhos de ferro. Apesar destas habitações estarem a 750 metros da zona das escolas, as crianças têm de fazer 2,5 Km para lá chegar em segurança, já que não foi construída qualquer ponte pedonal sobre o IC2.

Este não é caso único de racismo institucional. Ainda este mês, Álvaro Nobre, o presidente de uma Junta de Freguesia no Alentejo eleito pela CDU, recusou o enterro no cemitério da freguesia de um cidadão cigano. No mês passado Manuel dos Santos, eurodeputado do PS, chamou à deputada Luísa Salgueiro “cigana” “e não só pelo aspeto”. Há uns anos, um agente da PSP baleou na cara um cidadão cigano, que se tinha deslocado a uma quinta explorada pelo agente para pedir emprego.

A mais recente expressão mediática desse racismo de extrema-direita veio de André Ventura, candidato pelo PSD à câmara de Loures, que nos explicou em entrevista ao i que “as generalizações são sempre perigosas” quando falamos da atuação dos agentes da PSP da esquadra de Alfragide, mas que os ciganos vivem todos às custas do Estado, não querem fazer nada, são minorias de privilégio.

Minorias de privilégio. Pasme-se, porque leu bem. Apesar do Estado português se recusar a recolher estatísticas étnico-raciais que apoiem a definição de políticas públicas, há dados da Agência da União Europeia para os Direitos Fundamentais que, carecendo de alguma atualidade, nos permitem traçar um panorama geral sobre as condições de vida das famílias ciganas e tentar perceber onde encontrou André Ventura o tal “privilégio”.

Sobre níveis e acesso à escolaridade, os dados recolhidos há meia dúzia de anos indicam que 45% das mulheres ciganas são analfabetas e que um terço das pessoas ciganas deixou a escola por razões económicas ou por entraves discriminatórios no acesso à educação.

Sobre emprego sugerem que 44% estão desempregados, apesar de procurarem ativamente emprego, e que apenas 6% consegue ter um emprego assalariado.

Sobre condições de vida, os dados indicam que 97% das pessoas ciganas vivem abaixo do limiar da pobreza, que quase um terço não tem casa de banho nem chuveiro em casa, que Portugal é, a par da Grécia, o país onde cidadãos ciganos têm menos acesso à internet, apenas 7%, sendo também, a par da Grécia e da Bulgária, o país onde maior percentagem das pessoas desta etnia têm dificuldades em pagar as suas contas, problema que afeta 98% das pessoas ciganas portuguesas.

Questionados diretamente sobre a discriminação que sentem na pele, mais de metade diz-se sentir discriminado de forma genérica e mais de 60% afirmam ter-se sentido discriminados nos últimos anos quando procuraram casa para comprar ou alugar. Esta é só uma pequena amostra dos dados concretos que ilustram o nível de exclusão social que os membros da etnia cigana sofrem em Portugal.

Como vemos, e apesar da presença de comunidades ciganas em Portugal há mais de cinco séculos, esta minoria étnica continua a ser alvo de uma pesadíssima estigmatização e marginalização. Promover a integração destas comunidades no mercado de emprego, nos níveis de ensino secundário e superior, na coexistência com as restantes populações nos diversos espaços de sociabilidade é um trabalho que tem de ser continuado, e que frustrará quem procura resultados de curto prazo. Mas só será possível se a integração for feita a par de políticas públicas que combatam o racismo, que punam severamente os representantes públicos e partidários que promovam discursos e atitudes de discriminação étnico-racial, e que eduquem a população para valorizar a diferença e perceber que o racismo é burrice.