A dramática emergência do Chega como uma poderosa força política no espectro partidário português parece ter apanhado de surpresa muita gente informada e até estudada. Mas não devia ser assim.
O populismo, no sentido de ideologia radical anti-liberal, anda a medrar há anos no nosso país, e as políticas hiperliberais dos governos do Partido Socialista não fizeram senão aumentar o descrédito com que a chamada classe média olha para as instituições públicas e as elites governantes. Lembremo-nos, por exemplo, da famigerada legislação das ordens profissionais (verdadeiramente uma legislação anti-ordens profissionais), aprovada no último ano de governação.
O populismo constitui um manifesto perigo para a arquitetura constitucional dos direitos, liberdades e garantias individuais. Esse perigo é gerado por forças sociais, culturais e políticas que se apresentam como uma ruptura com o sistema, reclamando a restauração dos valores morais da sociedade e assim legitimando fraudulentamente formas mais ou menos dissimuladas de autoritarismo.
Em geral, conhecemos mal o pensamento conservador, e menos ainda os filósofos do extremismo tradicionalista e reacionário. Os horrores das duas guerras mundiais e a derrota das forças fascistas conduziram a um certo eclipse das ideologias da direita radical e ultra-radical.
Mas não nos podemos iludir: desde o início deste século, um pouco por todo o mundo, a ortodoxia democrática liberal é cada vez menos hegemónica. A direita radical ganhou terreno e hoje divide-se em escolas, fações e tendências para todos os gostos: nova direita, direita alternativa, neoconservadores, paleoconservadores, nacionalistas, tribalistas, identitários, etc.
O que têm em comum? A hostilidade para com as ideias centrais da Modernidade – racionalidade, humanismo, progresso e, consequentemente, a democracia, os direitos humanos, o universalismo.
A hostilidade ou mesmo o ódio contra a Modernidade baseia-se em argumentos e escolas do pensamento quase centenárias, que devíamos conhecer melhor para as poder combater. A inversão de Julius Evola, o declinismo de Oswald Spengler ou a metapolitica de Gramsci são ideias-chave para compreender a ascensão do Chega. Mesmo se, como parece provável, André Ventura nunca tenha ouvido falar delas.