Na passada sexta-feira a seguir ao almoço, passei por uma pacata rotunda de acesso a uma muito procurada praia da orla marítima de Gaia-Miramar – e deparei com um enorme aparato de carros e carrinhas da GNR. Buscando uma explicação para tal excesso, em outonal tarde de sol, admiti que fosse para compensar o disparo de baixas médicas que acompanhou o período de contestação à entrada em vigor do novo horário de trabalho para os militares da GNR. Talvez uma tentativa de fazer disparar multas, agora que a ministra resolveu mandar alterar a regulamentação do tal polémico horário.

Felizmente, no dia seguinte o grande destaque do Jornal de Notícias ajudou-me a ajuizar melhor tão estranho fenómeno: “Polícias sem rasto de metade dos carros roubados. Distrito do Porto é o que soma mais furtos nos primeiros oito meses. Taxa de recuperação desce em comparação com o ano passado”. Dito de outro modo, mais de mil viaturas furtadas por mês, 37 por dia.

Desta vez, em linha com a política do nosso Primeiro, os polícias descobriram que “é preciso fazer escolhas”. Coisa que, com a ajuda das políticas e dos tribunais, prontamente aprenderam: perseguir quem furta, além de perigoso, adianta pouco, daí que o melhor seja ver como “apanhar” quem exibe o fruto do seu trabalho. Admito que aqui haja quem me acuse de ironia, mas é uma insinuação injusta. A escolha é mesmo difícil e a diferença pequeníssima. Basta lembrar um dito atribuído ao Padre António Vieira: de Adão para ladrão, só faltam duas letras, e de fruto para furto, nenhuma!

A esta luz vê-se quão ingrato é o “trabalho” de quem tem de escolher entre perdoar a quem não cumpre ou castigar os cumpridores, vide o caso de mais um perdão fiscal. Ou a dificuldade em descobrir o que taxar para nosso bem: álcool, açúcar ou tabaco? Como se taxar fosse furtar ou esmifrar, e não uma medida para frutificar a nossa saúde!

É verdade que, às vezes, é difícil explicar e fazer entender a bondade de tão nobres intenções. Mas com a ajuda dos media quase tudo se consegue. Veja-se a desenvoltura com que a maioria dos “eleitos” desfila pomposamente em público e como tantos passam por benfeitores. A ponto de não se notar a contradição entre ser contra os organismos geneticamente modificados e defender mudanças de sexo em seres humanos. Nem se estranhar 40 horas para os privados e 35 para os do Estado, ou que o mesmo Parlamento criminalize o abandono de animais, mas não o de idosos.

Mesmo assim há bons sinais, como o da luta contra os interesses instalados, com a abertura do Governo à legalização da Uber e da Cabify. Só que, a acontecer, é só uma exceção; a regra, da educação aos transportes públicos, vai em sentido contrário. Daí a acusação à geringonça de ter gente capaz de perceber que monopólios são ruins, mas sem coragem para ver que os estatais são ainda piores. Como se estas contradições e estranhezas não fossem o seguro de vida do conluio ‘big business-big government’ e da pax social-democrata que abomina o livre mercado.