Todos os anos, as autoridades públicas consagram aos contratos públicos cerca de 14 % do PIB da União Europeia. São cerca de dois biliões de euros, investidos em serviços, obras e fornecimento de produtos.

Este dado, anterior à atual pandemia de COVID-19, já evidencia a dimensão dos valores envolvidos. Mas se pensarmos que os Estados-Membros irão brevemente beneficiar do plano de recuperação Next Generation Europe, e que se estima que 250 mil milhões de euros serão aplicados precisamente através deste tipo de contrato, não restarão dúvidas acerca da importância de se assegurar que os investimentos terão rigor e transparência.

Movidos pela necessidade de responder rapidamente à emergência de saúde causada pelo coronavírus, muitos países europeus, entre os quais Portugal, já abalaram um dos pilares da legislação de contratação pública: o princípio de que deve ser evitado o ajuste direto entre o Estado e os fornecedores.

Fizeram-no para assegurar o abastecimento de máscaras de proteção, medicamentos e dispositivos médicos, como os ventiladores, que poderiam ajudar a combater a pandemia e fazer a diferença entre a vida ou a morte dos doentes graves.

Ninguém afirmará que essas medidas foram desnecessárias. Não havia tempo para agir de outra forma. Contudo, as várias falhas registadas – incluindo na aquisição de lotes de equipamento de qualidade duvidosa ou mesmo inúteis –, só vieram demonstrar que o ajuste direto deve continuar a ser a exceção à regra.

É importante que esse facto esteja bem presente nas cabeças dos nossos governantes, quando se preparam para dispor, com ampla margem de manobra, de um envelope financeiro crucial para combaterem a crise e relançarem as suas economias, sem poderem perder de vista as metas de combate às alterações climáticas, da digitalização, do crescimento do mercado interno, da modernização da indústria, do investimento em ciência e inovação e da qualificação das populações.

Os países precisam urgentemente das verbas do plano de recuperação. E terão de ser tomadas medidas no sentido de agilizar procedimentos, incluindo em matéria de contratação pública. Mas não podemos nem devemos encarar a conjuntura atual como um “livre-trânsito” para desmantelar o que levou muito tempo a consolidar.

A diretiva comunitária da contratação pública (2014/24/EU), é um bom diploma, que inclusivamente já contempla situações mais urgentes, através da possibilidade de se recorrer a um procedimento aberto acelerado. Nesses casos, está previsto que as entidades contratantes possam reduzir o prazo para a submissão de candidaturas a apenas quinze dias.

Esta possibilidade pode ser complementada com medidas destinadas a aliviar a carga burocrática dos procedimentos, como o recurso preferencial à contratação por via digital, através de centrais de compras, ou a adoção de mecanismos que permitam conjugar o recurso às verbas do plano de recuperação com outras fontes de financiamento, comunitárias e nacionais.

Nada disto traduz a necessidade por alguns apregoada de um novo sistema de contratação pública. Pelo contrário: urgente é serem tomadas medidas que assegurem que a diretiva é efetivamente cumprida por todos os Estados-Membros, e que estes se empenhem cada vez mais na prevenção de casos, infelizmente ainda frequentes, de fraude e de desvios acentuados entre o produto ou serviço contratado e aquele que é fornecido.

A contratação pública, sobretudo quando feita de forma transparente, é um mecanismo fundamental para proteger o dinheiro dos contribuintes. Quanto mais fiável for o sistema, melhores propostas surgirão – incluindo das pequenas e médias empresas, muitas vezes “esmagadas” nos procedimentos –, e maior valor acrescentado será retirado pela sociedade.

Fazer chegar o dinheiro à economia é importante. Mas infinitamente mais importante – diria mesmo fundamental – é gastá-lo bem.