Em contexto de pandemia, perante as manifestas necessidades orçamentais – que, de resto, com ou sem ela, já nos caracterizam –, o Governo sentiu a necessidade de manter as “contribuições extraordinárias” já aplicáveis ao setor da saúde (assim como aos demais setores onde elas já são aplicadas): a Contribuição Extraordinária sobre a Indústria Farmacêutica (CEIF), originalmente criada pela Lei do Orçamento do Estado (“OE”) para 2015 e a Contribuição Extraordinária sobre os Fornecedores de Dispositivos Médicos (CEFDM) do Sistema Nacional de Saúde (SNS), criada pela Lei do OE para 2020. As referidas contribuições têm por objetivo garantir a sustentabilidade do Serviço Nacional Saúde, na vertente dos gastos com medicamentos e da aquisição de dispositivos médicos.

Esta opção estará decerto atenta ao facto de, num segundo ano de pandemia, em que uma quantidade relevante de setores da economia se encontram (quase) parados, a receita publica originada pelos setores que continuam a operar torna-se ainda mais relevante – no caso concreto, o da saúde (independentemente de os sujeitos passivos obterem lucro ou não, das condições de recebimento do Estado ou de serem essenciais ao próprio funcionamento do SNS). A CEFDM é ainda um gasto fiscalmente aceite em sede de IRC.

Para além das alterações ao regime da CEFDM, a Lei do OE para 2021 veio introduzir algumas modificações ao regime do Mecenato, no sentido de especificamente prever a atribuição de donativos a Entidades Hospitalares EPE e, assim, estimular o setor privado à realização de doações em numerário ou em espécie (v.g., material e equipamento de proteção individual, como máscaras ou viseiras, ou até ventiladores) a unidades de saúde, no âmbito do combate à Covid-19. Contudo, tais EPE não foram equiparadas, para efeitos do regime do Mecenato e sem prejuízo do contexto de pandemia, ao Estado (onde se incluem, nomeadamente, as autarquias locais e seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, associações de municípios ou freguesias e fundações em que o Estado, as Regiões Autónomas ou as autarquias locais participem no património inicial).

A consequência deste enquadramento é a seguinte: os gastos com donativos realizados por Empresas a favor do “Estado” assumem uma natureza fiscalmente aceite, em sede de IRC, podendo ainda tal custo ser majorados até 40%; por outro lado, os donativos realizados por Empresas a favor de Entidades Hospitalares EPE apenas são aceites como gasto até ao limite de 8/1000 do volume de vendas ou dos serviços prestados pelo Mecenas, podendo ainda aquele gasto ser majorado até 30% do seu valor.

Num contexto económico, onde o volume de negócios da grande maioria dos agentes sofreu quebras significativas mas em que, ainda assim, se apela à solidariedade de todos os quadrantes, de facto, não se entende esta opção por conferir um enquadramento legal desfavorável das Entidades Hospitalares EPE face às demais entidades do Estado. Poder-se-á argumentar que o objetivo é o de não criar tratamentos desiguais entre estas e as entidades hospitalares privadas. Contudo, o que é certo é que, no atual contexto de emergência, o que faria sentido era criar um regime de mecenato específico, dirigido aos serviços de cuidados de saúde, que, pelo menos, não penalizasse os sujeitos passivos (Empresas) em função do valor dos donativos atribuídos às entidades que prosseguissem esses mesmos fins.