Num um cenário geopolítico de muita tensão, o final do ano caminha bastante agitado. A poucos dias da maior conferência anual de alterações climáticas promovida pelas Nações Unidas via UNFCCC, as atenções estão voltadas para a COP28 em Dubai, onde líderes mundiais e grandes instituições reúnem-se para um ponto de situação global das alterações climáticas, e este ano com grandes dilemas em cima da mesa.
A COP28 acontece no Dubai, a partir do dia 29 de novembro até meados de dezembro, e tem grandes desafios na pauta de discussão, que se relacionam com medidas já conhecidas para a contenção do cenário de alterações climáticas e limitação do aumento da temperatura global em 1,5 °C, definido deste 2015 através do tratado global que ficou conhecido como “Acordo de Paris”.
Não obstante a maior parte das medidas já serem conhecidas e de preocupação transversal, e apesar das críticas acerca da pouca evolução que a cimeira proporcionou nos últimos anos, alguns assuntos especificamente chamam a atenção na COP28 pois esperam-se que (i) sejam objeto de divergência entre os países, como é o caso da discussão da estratégia de utilização de combustíveis fósseis (phase down x phase out fóssil fuels) e (ii) sejam concretizados em documentos importantes ainda em 2023.
Como neste espaço pretendo lançar luzes à questão energética, é importante ressaltar a expectativa nesta cimeira ao redor do que se entende por “medidas de mitigação”, ou seja: as ações ou medidas destinadas a reduzir ou evitar a principal causa das alterações climáticas, a emissão de gases de efeito estufa. É justamente entre as ações de mitigação que se inclui o assunto da transição energética e medidas de eficiência energética (que podem auxiliar com a redução de cerca de 90% das emissões de GEE).
Se nos apegarmos ao conceito didático de transição, sem esforço lembramos que o mundo já passou por outras transições energéticas (da lenha para o carvão, do carvão para o petróleo, por exemplo). O que marca a presente transição energética, contudo, é justamente a gravidade e a urgência das alterações climáticas, que clamam por uma mudança estrutural e sistêmica dos nossos mercados de energia, em todos os pontos da cadeia produtiva.
Essa grande transição energética estrutural, portanto, é delineada principalmente pela estratégia que os mercados e países irão adotar em termos de utilização de combustíveis fósseis e soluções de eficiência energética. Neste ponto, a conferência pré COP, realizada em Bonn a meio deste ano, já anunciava a divergência entre os países quanto à estratégia de redução gradual ou total da utilização de combustíveis de origem fóssil e, portanto, não renovável.
Agregou-se ao debate as queridinhas soluções de CCS (Carbon Capture and Storage) de captura e remoção de carbono, e a discussão certamente foi ficando mais complexa e os cenários possíveis não consensuais. Entretanto, alguns factos são importantes de serem relembrados.
O IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) no seu relatório síntese deste ano 2023 (Sixth Assessment Report, AR6) alertou para alguns factos científicos preocupantes:
- A existência de uma lacuna substancial em termos de emissões globais de gases de efeito estufa GEE entre os cenários: desejado ou ambicionado em 2030 versus o cenário necessário versus o que está, de facto, sendo feito;
- Muitos países sinalizaram a intenção de atingir zero GEE líquido ou net zero até a metade do século (2050) mas as promessas diferem substancialmente entre os países em termos de escopo e especificidade, e até o momento há poucas políticas em vigor para cumpri-las; e
- Os caminhos de mitigação globais que atingem o cenário net zero incluem um mix de esforços e exigem uma redução substancial no uso geral de combustíveis fósseis, uso mínimo de combustíveis fósseis fóssil aliado a tecnologias CCS, além de: sistemas de eletricidade que não emitem CO2 líquidos; eletrificação generalizada; maior conservação e eficiência de energia; e maior integração em todo o sistema energético.
Interessante notar que o IPCC reforça a importância de uma estratégia energética integrada e diversificada, com opções de adaptação viáveis que apoiem a resiliência da infraestrutura (rede), uso eficiente da água para sistemas de geração de energia existentes e novos, além de um caminho que já se fala a algum tempo: diversificação da matriz de geração de energia essencialmente renovável, combinando fontes diferentes.
No mesmo sentido, a International Energy Agency (IEA) publicou recentemente o seu World Energy Outlook 2023, onde destaca, entre vários pontos relevantes:
- Mais de 80% das reduções de emissão de GEE necessárias em 2030 provêm de esforços já conhecidos: aumento das energias renováveis, melhoria da eficiência energética, aumento da eletrificação e redução das emissões de metano. No cenário net zero, é preciso triplicar a capacidade instalada de energias renováveis e duplicar as melhorias na eficiência energética, de forma geral e não só concentrada em alguns países; simplesmente cortar os gastos com petróleo e gás não colocará o mundo no caminho certo para o Cenário NZE: a chave é aumentar o investimento em todos os aspectos de um sistema de energia limpa para atender à crescente demanda por serviços de energia de forma sustentável.
- Simplesmente cortar os gastos com petróleo e gás não colocará o mundo no caminho certo para o cenário net zero: a chave é aumentar o investimento em todos os aspetos de um sistema de energia limpa para atender à crescente demanda por serviços de energia de forma sustentável. Tanto o superinvestimento quanto o subinvestimento em combustíveis fósseis acarretam riscos para uma transição energética segura e econômica, mas o maior risco advém do superinvestimento em combustíveis fósseis, enquanto ainda é necessário – apesar de crescer em bom ritmo – o investimento em fontes diversificadas de energia renovável, sobretudo em países ainda em desenvolvimento ou subdesenvolvidos.
Em linha com as conclusões científicas mencionadas acima e em preparação para a COP28, o Conselho da União Europeia divulgou síntese recomendativa aos países para a cimeira, em documento publicado no 17.10.2023. Da análise divulgada, o Conselho ressaltou a importância de os sectores energéticos estarem “predominantemente isento de combustíveis fósseis bem antes de 2050 e a importância de procurar concretizar um sistema elétrico total ou predominantemente descarbonizado a nível mundial durante a década de 2030”.
Expressamente o Conselho europeu ainda “apela à eliminação progressiva, o mais rapidamente possível, das subvenções aos combustíveis fósseis, que não permitem combater a pobreza energética nem realizar uma transição justa” e “apela a uma ação a nível mundial para triplicar a capacidade instalada de energias renováveis, elevando-a a 11 TW, e duplicar a taxa de melhoria da eficiência energética até 2030, respeitando simultaneamente a matriz energética nacional de cada país.”
Além das medidas de mitigação, é importante também mencionar que se espera que na COP28 seja consolidado o primeiro relatório do Global Stocktake (GST), no qual os países demonstrarão o progresso coletivo em direção ao cumprimento das metas do Acordo de Paris, considerando avanços, retrocessos e o que ainda se coloca como entrave. Os primeiros diálogos para a consolidação deste primeiro grande “inventário” global aconteceram em Bonn e na COP27, ano passado no Egito, e espera-se que a última fase, de análise dos resultados, seja concluída em Dubai.
Interessante notar o processo de consolidação do GST, que combina três etapas: (i) Coleta e preparação de informações; (ii) Avaliação técnica e (iii) Consideração dos resultados. Para realização destas etapas, são promovidos “diálogos técnicos”, fórums para compartilhar a melhor ciência disponível e avaliações de mitigação, incluindo medidas de resposta; adaptação, incluindo perdas e danos; e meios de implementação (financiamento climático, transferência de tecnologia e capacitação).
Quanto ao resultado deste processo, espera-se que seja mais que um diagnóstico do ponto de situação atual com relação às metas estabelecidas em 2015 e possa ser, em verdade, um instrumento estratégico para avaliação da eficiência das medidas adotadas para eventuais ajustes e aprimoramentos que se façam necessários.
Não obstante o ceticismo de alguns, que já não acreditam que da cimeira possa advir grandes decisões, este ano especificamente poderemos estar diante de uma oportunidade única, de correção do curso e alterações na estratégia global, com oportunidade de aumentar a ambição para evitar as piores consequências das mudanças climáticas. Com a possibilidade de consolidar marcos e metas concretas para redução dos gaps entre targets ambicionados x progresso atual, o GST servirá de base para que os países atualizem e ajustem a ambição de seus planos nacionais de ação climática.
Em tempos de exigências ESG e um mundo corporativo onde cada vez mais a sustentabilidade se impõe como tema urgente, certamente as duas primeiras semanas de dezembro serão agitadas e podem determinar o curso dos planeamentos estratégicos das empresas. No mínimo, a COP marca um encontro que pretende cooperação entre nações, e considerando que os países não são ilhas isoladas e nem estão imunes às alterações climáticas, mais do que nunca precisamos praticar a cooperação.
É aguardar, com este espírito, cenas dos próximos capítulos, sem deixar de estarmos atentos ao que diz a ciência e os números alarmantes aos quais já não podemos nos dar o luxo de ignorar ou ficar inertes.