No dia em que escrevo, terça-feira 10 de março, contam-se mais de 4.000 mortos por Covid-19. Há, por todo o mundo, cerca de 116.000 infetados. E, desses, 64.750 pessoas estão já curadas da doença. Os números crescem a cada hora que passa – tanto daqueles que não sobrevivem como, em muito maior número, daqueles que recuperam.
Muitos culpam a globalização pela pandemia. Se não vivêssemos num mundo interligado, nada disto teria acontecido, afirmam. Felizmente, neste caso, não precisamos especular. A História dá-nos o termo de comparação. A famosa gripe espanhola matou mais de 50 milhões de pessoas em 1918, nas garras da Primeira Grande Guerra, exatamente um momento da história em que o mundo tinha fronteiras e que por elas se combatia, uma época em que viajar ainda não era hábito, sendo mesmo praticamente impossível pelas condições bélicas da altura. Apenas a Guerra era global.
É realmente verdade que o mundo interconectado de hoje, onde impera a liberdade de movimento, serviu para a rapidíssima propagação do vírus pelos quatro cantos da Terra, mas não é menos verdade que a informação livre, global e imediata obriga os governos a tomarem medidas perentórias, sem hesitação, temerosos de ser julgados pelo seu secretismo e ineficácia. Da mesma forma, a ligação entre comunidades científicas dos mais diversos quadrantes e origens fazem com que, da China ao Brasil, passando pelos EUA e Israel, cientistas e comunidade médica multipliquem as experiências e iniciativas de investigação para se chegar a uma vacina ou mesmo a uma cura da doença.
Os EUA estão, desde há cinco dias, a recrutar para os primeiros testes de uma primeira vacina. Na China, a Inovio Pharmaceuticals prepara-se para começar provas da sua versão no final do mês de abril. Altimmmune, dos EUA, APN01, da universidade americana de British Columbia, mRNA-1273 da também americana Moderna, o MIGAL, de Israel, o TNX-1800, da Tonix Pharmaceuticals, o Recombinant, da Clover, Brilacidin, não uma vacina mas um tratamento da doença, tal como CytoDyn da Leronimab, Bioxytran e BXT-25 para as fases mais agudas da doença, Remdesivir, da Gilead, Actemra, da Roche, na Suíça, Biocryst, antiviral da Galidesivir, etc., etc., todos eles exemplos das dezenas de tentativas que se vão efetuando por esse mundo fora com o objetivo ou de imunizar as populações ou de encontrar uma cura para o mal.
Apenas a abertura e, efetivamente, a globalização da ciência e o intercâmbio de experiências permitirão, neste como em muitos outros casos, encontrar terapêuticas e mesmo a cura para um mal que, outrora, teria encontrado lento caminho por todos os países do mundo sem que, de forma decidida e eficaz governos e comunidade médica e científica se juntassem para a combater, exatamente como aconteceu em 1918. Por comparação, teriam que morrer agora 205 milhões de pessoas para que o número de fatalidades fosse comparável ao da gripe espanhola. Todas as previsões apontam para que ficaremos muito, mas mesmo muito longe desse número.
Esta, como outras epidemias a que a Humanidade sobreviveu, também passará. Mas não é certo que ela nos permita entender de uma vez por todas que as fronteiras existem apenas na nossa imaginação e não na Natureza e que o nosso destino é realmente comum e partilhado. Ele é verdadeiramente global.
Chamar a este novo coronavírus o “vírus de Wuhan”, como fazem alguns republicanos nos EUA, ou achar que a situação da Itália reflete a realidade daquele país à qual alguns opõem a sempre fria e eficiente Alemanha, é tentar encontrar culpados, nas diferenças nacionais, nas culturas, nas raças e noutras tantas construções preconceituosas que refletem ignorância e negação da realidade.
A globalização trouxe-nos muitos problemas – desigualdades acentuadas, alterações profundas no mundo do trabalho, perceção de insegurança social, concentração de riqueza, etc.. Mas será apenas o seu aprofundamento – e não o seu retrocesso – que permitirá à Humanidade convergir, perceber-se como igual, procurar respostas comuns à nossa condição comum, continuar a lutar pela igualdade, igualdade essa que o coronavírus nos fez o favor de tão eloquentemente sublinhar.