Foi antes do Processo de Bolonha e da Estratégia de Lisboa. Em 1997, três anos de trabalho levaram à adopção da Convenção de Reconhecimento de Lisboa e à criação de um sistema de validação das qualificações que criou condições de mobilidade laboral. Ratificada por 53 Estados e comunidades, a Convenção é um exemplo noutras regiões do globo e é um factor de união da Europa através das capacidades e da criatividade das pessoas. Pensemos nos obstáculos à circulação de profissionais nos países da CPLP para perceber o impacto desta iniciativa.
Hoje, os europeus cruzam o continente em busca de oportunidades de vida e de trabalho, já sem tendências defensivas no ensino superior e nos mercados de trabalho nacionais. Mas isto também expôs os países com economias mais frágeis à competição por recursos qualificados. As questões do capital humano dominam os debates europeus e o continente é hoje uma enorme área de recrutamento de talentos para os vários Estados-membros.
A UE quer uma economia qualificada e de uso intensivo do conhecimento, compensando a deslocalização de empresas para mercados laborais mais baratos. O nosso atraso exigiu um esforço de redução da distância face à qualificação média dos outros europeus. A OCDE já nos congratulou pelos resultados, considerando a dimensão da tarefa. As competências dos alunos do ensino básico subiram; há um núcleo de qualificados nas gerações mais recentes; os diplomados em áreas de engenharia e ciências exactas são relevantes; capacitou-se o sector técnico-científico. Só que o alargamento da base de qualificações do país continua urgente. A saída da nossa camisa-de-forças depende disto.
Não por acaso, Portugal é simultaneamente a sociedade mais desigual e a menos qualificada no ocidente europeu. Os 26% dos portugueses em risco de pobreza incluem empregados e passariam a 46% não fossem as transferências sociais. Numa economia de bens e serviços de baixa intensidade tecnológica e com um mercado laboral segmentado, é sobre o Estado que recai a contenção da tensão social; é sobre a classe média que recai a factura da desigualdade. Esse esforço não é nem suficiente, nem sustentável.
Ao mesmo tempo, a digitalização e a robotização anunciam uma mudança radical no perfil das economias avançadas e no futuro do trabalho. Vários trabalhos rotineiros e desqualificados serão extintos; noutros casos, as tarefas serão reconfiguradas e exigir-se-ão competências digitais, de programação, de design e de marketing. Nem uma política de baixos salários servirá de panaceia. Os estudos da OCDE indicam que a robotização exige um investimento inicial maior mas depois compensa face aos custos salariais. A inovação tecnológica vai embaratecer-se ainda mais.
Os portugueses com baixas competências digitais estão muito expostos aos efeitos colaterais desta revolução. O país estaria condenado a altos níveis de desemprego ou limitado a funções em segmentos desvalorizados das cadeias globais de valor e os seus sistemas sociais não resistiriam. A urgência em formar quadros técnicos médios e superiores – e de dar aos portugueses competências que os autonomizem – justifica o lançamento de acções de apoio à formação e à cooperação do sector científico e de inovação com a economia. Vários países europeus adoptam medidas semelhantes, aumentando a competição. Mas também os empresários, os dirigentes e os eventuais formadores precisarão de requalificação para lidar com estes desafios.
Portugal tem infra-estruturas, pessoas e capacidade criativa e científica para participar no novo paradigma económico. Mas será preciso articular de forma coerente as políticas de qualificação e de estímulo à economia, e mobilizar a sociedade nos próximos anos para não ficarmos à margem da mudança. As empresas precisarão de recursos qualificados para as sustentar. Mas também os profissionais precisam de oportunidades em solo nacional para não exportarmos talentos para outros países. Os desafios são imensos e a corrida já se iniciou. Não há tempo a perder.
O autor escreve segundo a antiga ortografia.